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terça-feira, 5 de setembro de 2017

3067 - SX Alhos e bugalhos, juntos e misturados



O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5327 SX                           Data: 5 de setembro de 2017

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO XXXIV


MÉDICO GENIAL


Concursos de talentos infantis eram comuns nos anos 30 e 40 do século passado. Emissoras de rádio faziam sucesso apresentando programas voltados para a premiação de meninos cantores, locutores, declamadores, e por aí vai.

Essa febre chegou a uma importante empresa que atuava no Rio de Janeiro. Alguém teve a ideia de promover um concurso que contaria com a participação de filhos de funcionários da Light. À medida que o certame alcançava suas etapas finais, ficava claro que havia dois favoritos destacados. Um menino-cantor, que na avaliação de todos tinha voz de homem, ganhara recentemente um concurso promovido no intervalo de uma peça de teatro que ostentava o estranho título "Por Causa do Baiacu", estrelada por Alda Garrido. O garoto cantou "Chão de Estrelas" e levou a plateia ao delírio. Foi imediatamente contratado pela Rádio Guanabara. O pai do jovem artista era engenheiro da Light.

Seu adversário era filho de um desenhista lotado, também, no departamento de engenharia da empresa. Viciado em concursos, ganhador de diversas promoções, brilhava tanto como cantor quanto locutor.  Era conhecido como "Gargantinha de Veludo", atração de vários programas da Rádio Sociedade.

O concurso foi vencido pelo segundo candidato. Seu nome era Max Newton Figueiredo Pereira Nunes. O candidato derrotado se chamava Paulo Gomes de Paiva Fortes.

Ali começava uma amizade que durou mais de sessenta anos. Sempre que se encontravam, Max Nunes fazia questão de "consolar" o amigo Paulo Fortes: "Não liga não, Paulo. Naquele tempo já havia marmelada!..."

Paulo Fortes cursou a Faculdade de Direito. Jamais exerceu a profissão de advogado e durante cinquenta anos atuou como mais importante barítono do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Max Nunes estudou medicina e foi um brilhante cardiologista, tendo ocupado o cargo de Diretor do Instituto Brasileiro de Cardiologia. Ao longo de toda sua vida, Paulo Fortes compareceu com absoluta regularidade ao consultório do Doutor Max Nunes. Dizia o médico que essas visitas não encontravam paralelo na história da medicina. Duravam cerca de três horas. Na primeira hora, médico e paciente se dedicavam a contar piadas. Na segunda, o assunto era o América Futebol Clube, paixão a que os dois amigos se dedicavam com angústia e sofreguidão. A terceira hora, finalmente, era dedicada à saúde do paciente. Doutor Max manifestava sua apreensão diante da pressão arterial e das taxas apresentadas pelo amigo. Prescrevia remédios que serviriam para atenuar esses problemas. Remédios que o barítono comprava, mas não tomava, supondo que poderiam ser prejudiciais à sua voz.

Max Nunes nasceu em Vila Isabel. Era vizinho de Noel Rosa e sua casa era frequentada por muitos artistas. Lauro Nunes, seu pai, era o que podemos definir como talento multifacetado. Além de trabalhar na Light, era jornalista, tradutor, humorista e roteirista de programas da Rádio Mayrink Veiga. Com o pseudônimo "Terra de Sena" assinava boa parte de sua produção.

Max Nunes herdou e potencializou as aptidões do pai. Depois de um breve período na Rádio Tupi, ingressou na Rádio Nacional. Começou como roteirista do "Barbosadas", programa muito popular apresentado por Barbosa Junior. "E o Mundo se Diverte", filme de Watson Macedo lançado nessa mesma época, também contou com um roteiro de Max Nunes.

Reconhecendo o talento do jovem produtor, a direção da Nacional convocou-o para dinamizar o "Programa Manoel Barcelos", uma das principais atrações da emissora, que tinha como grande estrela a cantora Marlene.

O "pulo do gato" de Max Nunes na Rádio Nacional aconteceu em circunstâncias muito especiais. O "PRK-30", possivelmente a maior atração da emissora, era apresentado por Lauro Borges e Castro Barbosa no horário das 20:30 horas das sextas-feiras. Eis que a dupla, sem qualquer aviso prévio, aceitou um convite para se transferir para a Rádio Tupi, fazendo jus a um mega contrato bancado pela Companhia Cervejaria Brahma. A direção da Nacional entrou em parafuso. Esse horário das sextas-feiras era tradicionalmente destinado a um programa de humor. Antes do "PRK-30" o espaço era ocupado por Jararaca e Ratinho, também com grande sucesso.

A solução adotada por Victor Costa, o "chefão' da Nacional, foi convocar o jovem cardiologista para idealizar algo inteiramente novo, o que foi feito no prazo recorde de uma semana. O "Balança mas não cai' revolucionou a radiofonia brasileira. E enlouqueceu o público ouvinte do Rio de Janeiro. Todos passavam o fim de semana comentando as desavenças entre o primo rico e o primo pobre, brilhantemente interpretados por Paulo Gracindo e Brandão Filho. Morriam de rir, também, com dois índios que comentavam o panorama político do país, um destacando aspectos positivos, o outro, em contrapartida, denunciando acontecimentos negativos que afligiam a população. "Pezinho prá frente, Pezinho prá trás" era um festival de risadas promovido pelos índios Orlando Drumond e Hamilton Ferreira.

Esse sucesso extraordinário resultou em sobrecarga de trabalho para o jovem produtor que, em determinado momento, chegou a produzir seis programas semanais para a Rádio Nacional. Tomou, então, a decisão de retornar à Rádio Tupi, em 1952, para escrever apenas um programa por semana. "Uma Pulga na Camisola", desnecessário dizer, também fez imenso sucesso.

Essa diminuição do ritmo de trabalho em rádio foi compensada por Max Nunes com brilhantes incursões no teatro de revista, resultando em 36 produções que alcançaram enorme êxito. Além disso, passou a assinar festejadas colunas na "Tribuna da Imprensa" e no "Diário da Noite".

O previsível aconteceu com a chegada do talento de Max Nunes à televisão. Depois de algumas participações esporádicas em programas da TV Tupi, na década de 50, ele assinou, em 1962, contrato com a TV Excelsior para produzir "My Fair Show" e "Times Square". Em parceria com Haroldo Barbosa, outro gênio inesgotável a serviço do rádio, da televisão, da música e do jornalismo em nosso país.

A trajetória de Max Nunes na TV Globo, onde ingressou em 1964, é mais recente, e bastante conhecida. Começou com "Bairro Feliz", passou por "Riso Sinal Aberto", "TV Zero - TV 1", "Satiricon", "Faça Humor Não Faça a Guerra", "Viva o Gordo" e mais uma dezena de realizações que marcaram definitivamente a televisão brasileira.

Em 1970, em parceria com Laercio Alves, Max Nunes ainda encontrou tempo para criar "Bandeira Branca", preciosa página da música popular brasileira, interpretada por Dalva de Oliveira.

Em 2014, no dia 11 de junho, aos 92 anos de idade, depois de muito tempo de colaboração com seu afilhado Jô Soares, Max Nunes deu por encerrada sua passagem pelo planeta. Achou que era hora de reencontrar Lamartine Babo, Belfort Duarte, Danilo Alvim, Orígenes Lessa, João Cabral de Melo Neto, Fernando Ojeda, Paulo Fortes, Carola e Oswaldinho para, como sempre, tecer loas ao querido América Futebol Clube.

Vamos finalizar esse texto com uma seleção de frases e pensamentos antológicos de Max Nunes. Eles atestam a falta que faz esse gênio brasileiro.

"Paraquedas é o único meio de transporte que, quando enguiça, você chega mais depressa."

"Há casais que se detestam tanto que não se separam só para um não dar esse prazer ao outro."

"Não era uma mulher. Era uma guilhotina. Cinco homens perderam a cabeça por sua causa."

"Desfalcada a seleção da Grécia. Acertaram o calcanhar de Aquiles."

"Por que não cruzar um pombo correio com um papagaio? Assim, em vez de levar o bilhete, ele dava logo o recado."

"Filho único é tão chato que não há no mundo quem tenha dois."

"Se acupuntura resolvesse porco espinho não ficava doente."

"Conheço um sujeito tão imoral, mas tão imoral, que a leitura de sua mão é proibida para ciganas com menos de dezoito anos."

"Era tão azarado que, se quisesse achar uma agulha num palheiro, era só sentar-se nele."

"O grande mal do divórcio é que permite ao homem casar-se uma segunda vez."

"A prova de que o balé dá sono na plateia é que os artistas entram sempre na ponta dos pés."

"Tempos de fartura eram os de antigamente. Até os três mosqueteiros eram quatro."

"O difícil de confundir alhos com bugalhos é que ninguém sabe o que são bugalhos."

4 comentários:

  1. Não há vantagens em ser editor, exceto quando se pode rir de madrugada, muito antes do raiar do Sol e do acordar dos leitores ordinários.
    Quem escreveu isso foi Max Nunes, mas nenhum comediante aceitou proferir este longo bife que não faria graça mesmo.
    Este editor, do alto do Olimpo onde sentam os Editores enquanto estão editando, refaz a História e proclama a Verdade.

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    1. Leitores ordinários também acordam cedo. Mal acostumados às deliciosas crônicas esperam com ansiedade a publicação de "O amigo capitalista do Fraga".

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  2. Elvira, acho que a Polícia Federal também lê o seu O BISCOITO MOLHADO e deve ter apreendido o autor, menor enquanto não segue as vozes dos leitores, dentro dos procedimentos da Lava-Jato. Todo capitalista pode ser um delator em potencial e esse amigo capitalista ainda não contou o que sabe. Mas contará...

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  3. O amigo capitalista do Fraga deve estar em desespero ouvindo gravações espúrias, procurando nomes nos jornais, assistindo 24 horas de Globo News. Tudo porque ele sabe o que andou fazendo nestes últimos invernos da nossa desesperança.
    Mas que ele fala, fala!

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