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quinta-feira, 22 de junho de 2017

3045 - FM O funga-funga do bruguelo


           
O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5305 FM                           Data: 22 de junho de 2017

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXIV

                               
COISAS DE CEARENSE (3)

Falar do Ceará pode esgotar a paciência de quem ouve; longe, porém, de quem tem histórias para contar. E haja histórias, que cearense tem memória, tem seu estilo próprio de dizer, sua linguagem com termos certos para dizer o que pensa, de modo até pitoresco. Quem ouve, não esquece. 

Pode-se não entender, assim, de imediato, mas quem vive ouvindo dizer ou vendo acontecer, fica impregnado do sentir cearense, respira o ar seco nordestino, embebeda-se com o frescor da brisa, quando o Sol vai sumindo no horizonte, ao anoitecer.

Cearense diz “Meu bichim”, quando trata alguém carinhosamente, chama de “Fio duma égua”, quando engrossa a voz e fica por conta com o desaforado, ou chama o sujeito de “Pai d´égua”, quando quer exaltar suas qualidades. Se quer tratar uma pessoa com deferência ou simpatia, chama de “Meu cumpade”. Tem lá os seus gostos particulares, chama lanche de merenda e, já foi moda, tomava café segurando a xícara com o dedo mindinho empinado, quando em rodas de amigas, convidadas para reuniões de fim das tardes. Como era também moda, não podia faltar um refresco de groselha, com gelo moído boiando no copo. Mas isso foi lá pelos anos de 1930 ou 40. Os hábitos mudaram, os de hoje são diferentes, pois a globalização na informação uniformizou tudo. O dedinho encolheu, a groselha sumiu, o refrigerante é engarrafado e nem mesmo a merenda existe mais, por medida de economia ou por falta de tempo. Certos costumes, porém, continuam, pois cearense não dispensa carne de sol, com o tempero de uma cachacinha da boa, feita em alambique particular, para abrir o apetite. Às vezes, também, para fechar o dito.

Uma soneca depois do repasto, que ninguém é de ferro, tem lá o seu gosto e encanto, mormente em rede de pano grosso, com varanda larga para espantar moscas e como enfeite, armada no alpendre da casa, balançando suavemente, para levar o descansante às merecidas alturas. E ele vai, a sono solto, na brisa da tarde.

Como chove pouco, nas terras cearenses, encanta-se ao ver cair do céu uma chuvinha, ainda que passageira. Serve para aguar as plantas. Se for de noite, que seja bem-vinda, fica o distinto arretado, termo que usa para justificar as vontades da carne. E haja vontade, desde que outras carnes estejam à mercê.

E assim ele conta, sem arremedos, sem jactância, só por dizer, e diz:

“Seu minino, se chove, gosto de ouvir o baticum da água nas “têia”, esqueço o relâmpego e o trovoamento, me enrosco na rede com a muié, deixo a água da goteira pingar na minha bunda, até parar de chuvê ou até que nós dois deixemo de fungar. Aí, é só esperar os nove mês e ouvir o choro do bruguelo. Olhe, num tem coisa mais gostosa, nessa vida besta”. Isso é contado sem pressa, na conversa descompromissada, que ninguém é corrido da polícia nem está fugindo de briga de faca. E é bom de ouvir.


Pois muito disso tem no Ceará, terra fértil de coisas saborosas de se comer, de se gostar, de se fazer, de se ouvir. Nem precisa ir muito longe, basta puxar pela memória, lá vem tudo de roldão, para acalanto do coração distante, nem por isso esquecido, nem por isso desligado da santa terrinha, a chamada Terra da Luz.

5 comentários:

  1. A crônica do Fernando Milfont me deu vontade de comprar uma rede. De pano grosso. Fui na Casa e Vídeo. Não tem. Lojas Americanas. Também não. Aguardo sugestões do redator.

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    1. Se quiser passear um pouquinho e aceitar outras sugestões cito o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, em São Cristóvão. As mais diversas redes. Das mais simples as mais sofisticadas. Aos domingos poderá usufruir de um ótimo almoço com a família.
      Bem, como tudo muda rapidamente, devo informar que faz algum tempo que não ando por lá.

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  2. Faz muito tempo que não vejo um carioca falar assim da sua cidade:(
    Muito lindo esse sentimento de amor e pertencimento.
    Saudades das blusinhas lindamente bordadas que encomendava ou comprava na feirinhas da Carioca e da Praça XV.
    Creio que as bordadeiras foram empresariadas. Vi na Globo News uma das apresentadoras reclamar que não as achou nem no Ceará onde passou férias.

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  3. Já comprei rede lá. Há cerca de um ano. de 70 reais a 200.

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