O BISCOITO MOLHADO
Edição 5293 FM
Data: 3 de junho de 2017
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO
NASCIMENTO - ANO: XXXIV
COISAS DE CEARENSE
Cearense é assim, como direi, sem ser diferente nem exótico.
Tem seu linguajar próprio, fala com “E” e “O”abertos, usa o “R” com suavidade,
pronuncia certas palavras como “aberto” ou “Roberto” quase cantando. Só faz
exceção, ao se dirigir a uma plateia, em saudação, com discurso empolado: “Meus
senhores e minhas senhôras”, assim mesmo, com o “o” cretinamente fechado. Pelo
menos, era desse modo. Os ouvintes, para não vaiar o pernóstico, temperavam a
garganta, com certo ruído. No mais, acompanhavam o falante em silêncio e, se
houvesse alguma exaltação no dizer e concordassem com o dito, estalavam os dedos
como se fossem espanhóis tocando castanholas. Era a maneira educada de não
atrapalhar o discurso, embora pudessem deixar o falante imaginando estar sendo
criticado, com o castanholar inusitado, caso não conhecesse o modo pouco
convencional de aplaudir, sem bater palmas, atitude única de aprovação, jamais
imitada.
Afora isso, o cearense é, ou era, tão irreverente, que a
santa terrinha já foi alcunhada de “Ceará moleque”. Isso porque, a tudo se
vaiava, até mesmo o vento forte que soprava nos finais das tardes, no mais
movimentado quarteirão do centro da capital, por onde passava meio-mundo de
gente. Eram os que estavam indo ou vindo das compras, ou gente sem nada a
fazer. As moças, se tinham a saia levantada pela ventania, não escapavam da
curiosidade da rapaziada. Que alento, ver pernas de fora! Quando o tempo estava
em calmaria, os afoitos assobiavam chamando vento, um passatempo para quem nada
fazia, a não ser ver o tempo passar...e esperar o resultado.
Quem se atrevesse a exibir modas extravagantes e ousasse
desfilar no quarteirão fatídico, que se preparasse para receber sonora vaia. E
isso era para todos, não importava quem fosse. Modismos exagerados eram uma
ofensa aos costumes locais. Vaia neles ou nelas. Não havia perdão.
Bem viva chega à lembrança, a mais ruidosa e imponente vaia,
quem tomou foi o Sol, nos idos dos anos 40 ou começo dos 50, do já também ido
século. Aconteceu assim: depois de um dia e uma noite de chuva forte, coisa
incomum naquelas bandas, por volta das 10 horas da manhã, parou de chover de
repente e, também de repente, o Sol abriu, claríssimo, que até causou espanto,
iluminando a tradicional Praça do Ferreira, o local mais movimentado do centro
da capital. Pois os espantados não se deram por achados, quem estava presente
não resistiu ao impulso, daí a sonora vaia, que ficou nos anais históricos, e
foi até mesmo consagrada por notícia em jornal. Quem conta, foi testemunha. Viu
a chuva parar, o Sol brilhar e da vaia também participou. Está nas recordações.
Como nada escapava à irreverência cearense, é também de viva
lembrança o tempo da Segunda Guerra Mundial quando, na cidade, foi instalada
uma base aérea cedida aos norte-americanos. Os soldados que por ali passavam,
rumo ao norte da África, ficavam uns dias de folga e, por natural, procuravam
as moças, para namorar, isso causava ciúmes aos rapazes da terra que,
preteridos, vingavam-se. Quem namorasse, era chamada de Coca-Cola, lembrando o
refrigerante que estava chegando à cidade. O termo generalizou-se, não importa
quanto pejorativo fosse. E o resultado, pelo excesso de liberdade e pela falta
de cuidados, da geração Coca-Cola nasceram muitos John da Silva – cabeça chata
de cearense, olhos azuis de americano.
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