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sexta-feira, 30 de outubro de 2015

2969 - ordem e progresso


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5219                            Data:  28 de outubro  de 2015

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SABADOIDO  (continuação)

 

-E a Yoná Magalhães morreu...

-A fila tem de andar, Carlinhos. - enveredou a Gina pelo humor negro.

-Acho que me espantei mais com a idade dela, oitenta anos, do que com a sua morte propriamente dita. – confessei.

-Como dizia o Seu Renato: “Só eu que fico velho?” – reportou-se meu irmão a um vizinho da Rua Chaves Pinheiro, indignado porque diminuíram a idade do craque do Cruzeiro, Tostão, valorizando-o.

-Para mim, ela se cristalizou nos cinquenta anos de idade, quando saiu nua na Playboy, esplendorosa, sem um retoque sequer, garantem os que trabalharam nas fotografias.

-Isso foi em 1985, Carlinhos, quando ela atuava no Roque Santeiro. - disse meu irmão.

-Ela já estava encarquilhada. - comentou a Gina ferinamente.

-Eu não vejo novelas, Gina; a última novela que acompanhei do princípio ao fim foi “Guerra dos Sexos”, em 1983 e vi alguns capítulos do “Vereda Tropical”, também nesse ano. De lá pra cá, só assisti a umas cinco ou seis minisséries, algumas excelentes como “Os Maias” e “Agosto”. Como a Yoná Magalhães não atuou em nenhuma dessas minisséries, eu a perdi de vista desde 1985.

-Ela trabalhou, em 2013, na novela “Sangue Bom”, já bem enrugadinha. - voltou a Gina à carga.

-Ótimo; a imagem dela que me ficou foi a do auge da beleza.

-Digamos: no crepúsculo da beleza. - interveio meu irmão.

-Recebo, às vezes, por e-mail, retratos das deusas do cinema na época do apogeu e depois de passados uns trinta anos. Sinto um travo de desgosto nessas comparações. (E fui mais extremado). Eu não vejo pessoas queridas mortas para que fique na minha mente a imagem delas vivas.

-Então, você não visita uma pessoa nem quando ela está doente?- criticou-me a Gina.

-Carlão – explodiu a voz do Daniel, com as vistas ainda no seu smartphone – Que botafoguense sem vergonha que você é!... Fala do aniversário do Pelé, e nada diz do Garrincha, que faz anos no dia 28 de outubro.

-Você vê, Daniel, que os maiores craques do futebol nasceram no mês de outubro. - brinquei.

-Garrincha nasceu no dia do Funcionário Público.

-Dia de São Judas Tadeu. - lembrou a Gina que, logo em seguida, se voltou para mim.

-Vai trabalhar?

-Transferiram o feriado para 1º de novembro.

-Trabalhar é força de expressão. - pilheriou o Claudio.

-É... os funcionários públicos têm essa imagem. Muitos que entraram, no último concurso, no meu serviço, gente capacitada, pois as provas foram bem complexas, imaginaram que, agora, ficariam de papo para o ar.

-E não ficaram?... - interessou-se meu irmão.

-Durante um tempo, os mais malandros até ficaram, mas entrou em vigor uma disciplina militar e eles tiveram de se enquadrar. Facebook e You Tube só não é bloqueado de meio-dia e vinte às quatorze horas; quarenta horas de trabalho semanais são averiguados, com rigor, no ponto eletrônico...

-Essa história de ponto eletrônico é o “me engana que eu gosto”, porque um bate pelo outro. - manifestou-se minha cunhada.

-Na época da nossa anarquia foi assim, mas agora, não. Se um servidor for pego marcando a chegada do outro ao trabalho ou a vinda do almoço, os dois vão ter de se explicar na corregedoria. Se não completar quarenta horas mensais sem justificativa comprovada, vêm os descontos nos salários.

-Carlinhos, como é Caxias, gosta.

-Claudio, eu não gosto é de multar uma empresa de navegação porque não avisou, no prazo de trinta dias, que houve mudança de endereço, que houve alteração no contrato social, conforme exigência da nossa legislação. Não gosto porque, num país em que as autoridades se usufruem de desvios de milhões e ficam impunes, eu me sinto meio esquizofrênico em multar porque não observaram trinta dias para avisar uma coisa que não vai prejudicar ninguém.

-Mas é você que multa, Carlão?

-Não. Mas tenho de indicar a irregularidade e o valor da multa para que um funcionário acima de mim decida.

-Com essa crise, é mesmo chato sair multando por aí, porque muitas empresas estão sentindo o baque e elas empregam as pessoas. - ponderou meu irmão.

-Eu já disse que estou lendo “Crime e Castigo” do Dostoievski...

-Ainda?...

-Já li mais de quinhentas páginas, faltam menos de trinta. Siydrigailov já se matou... Mas deixem-me continuar se não perco a linha do raciocínio.

-Continua, Carlão.

-Numa das notas de rodapé do livro, o tradutor explica que, antes de 1917, o serviço público na Rússia seguia a hierarquia militar; havia, para exemplificar, servidores públicos tratados por coronel.

-Você, Carlão, seria um coronel, se o mesmo método fosse utilizado no Brasil?

-Daniel, eu seria, digamos, um tenente. E já está muito bom assim. Prefiro a disciplina à anarquia, mas não gosto de mandar.

-Carlão prefere obedecer a mandar.

-Acertou, Daniel, mas não obedecer cegamente.

-Você já leu o Globo de hoje, Carlinhos?

Após a minha resposta negativa, meu irmão prosseguiu:

-Um russo de 98 anos de idade... Está aí no caderno Prosa que foi engolido pelo segundo caderno do Globo. - indicou com a cabeça o jornal.

-Já descobri – disse com o Globo nas mãos – Boris Schnaiderman, pioneiro na divulgação da literatura russa no Brasil.

-Ele diz que traduziu as obras do Dostoievski para a nossa língua, mas, teve, mais tarde, de voltar a essas tradições porque os revisores brasileiros passaram tudo para o português castiço e o Dostoievski escrevia num russo coloquial.

-Claudio, nessa edição da Prefeitura do “Crime e Castigo”, que estou lendo, o tradutor, que faz a transliteração diretamente do russo para o nosso idioma, coloca várias notas sobre o estilo pouco formal do escritor. Ele diz que Dostoievski usava, algumas vezes, duas conjunções adversativas juntas -”mas todavia ele foi até lá” - misturava os tratamentos da segunda pessoa do singular e da terceira - “tu e você” - e por aí vai.

-Na realidade, as pessoas falam assim mesmo. - acentuou meu irmão.

-Como Dostoievski foi o escritor de primeira grandeza, ele e Gogol, a trazer os pobres miseráveis para a literatura, eles não poderiam falar mesmo como universitários de Harvard.

-Como universitários de Harvard, eles falariam inglês, Carlão. - aproveitou o Daniel a deixa para mais uma piada.

-Daniel, daqui a pouco estaremos saindo para almoçar. - alertou-o a Gina.

-Vou ao estacionamento ver se o meu carro dormiu bem.

Colocou o smartphone no bolso e saiu.

 

 

 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

2968 - Advérbios e adjetivos: confusão à vista!


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5218                          Data:  27  de outubro  de 2015

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SABADOIDO

 

Estávamos na cozinha eu, Claudio e Daniel.

-Carlão, o que vai acontecer se a Dilma deixar o governo?

-Os humoristas vão perder uma excelente personagem.

-Porque não dá para fazer graça com o Lula; eu não aguento nem ouvir a voz dele. - entrou na conversa o Claudio.

-Ele só inspira humor ferino como o boneco Pixuleco. Falando nele, você quer de presente de Natal, Daniel.

-O boneco ou o Pixuleco, Carlão?

-Carlinhos, você foi ao Guanabara?- era a Gina que aparecia.

-É, Carlão, não basta ser pobre, é preciso ir às compras no Guanabara no mês do aniversário, seu e do supermercado.

Meu irmão interveio:

-E o Carlinhos é pobre?... Está cheio de ações da Petrobras e da OGX. - ironizou.

-Nunca apostei um centavo no Eike Batista; ele era exibido demais para me passar confiança.

Como eu falara com seriedade, tentei retornar à descontração:

-Eu vi, no Facebook, vídeos dos consumidores na liquidação das Casas Guanabara...

-Consumidores, aquilo era uma nuvem de gafanhotos; por onde passava sumia tudo.- interrompeu-me a Gina.

-Principalmente a cerveja... atacaram um engradado com caixas de doze latinhas de Skol, que estava envolto em papelão, e não sobrou um gole. Um casal chegou a encher dois carrinhos de compra com essas caixas.

-Um carrinho de cerveja para cada. - pilheriou o Claudio.

-Não; eles depois vão revender em quiosques ou numa dessas biroscas por 5 reais a latinha, 8. - previu a Gina.

-Tanta luta por uma bebida que mais parece mijo de gato (voltei-me para meu sobrinho), não é?

-Eu não gosto de cerveja alguma. - garantiu.

-A Skol só desce bem estupidamente gelada num dia de calor de 40º. - disse o Claudio com o penacho de entendido em cerveja.

-Mas outubro não é apenas o mês do meu aniversário e das Casas Guanabara, também é do Pelé. Postaram no Facebook um retrato dele com felicitações pelos seus 75 anos de idade. Caramba!...

E prossegui:

-Os internautas comentaram salivando ódio do Pelé. As críticas mais ferozes foram pelo fato de ele não ter reconhecido a filha que, para agravar ainda mais a situação dele, morreu.

-E ele foi safado mesmo. - rugiu a Gina que prosseguiu com palavras tão duras quanto a dos internautas a que me referi.

-Ele ainda veio com aquela história de olhar pelas criancinhas pobres. - reportou-se o Claudio à fala do Pelé, patrulhado pelas esquerdas, quando chegou ao milésimo gol em 1969.

-Quanto a essa filha que ele não reconheceu, soube, não garanto a veracidade, que ela era evangélica e passava todo o dinheiro que ganhava para um líder espiritual charlatão.

-Nada, Carlinhos – reagiu a Gina com veemência – ele não reconheceu a filha porque ela era filha dele com a empregada e Pelé só admitia relacionamentos com mulheres brancas.

Claudio, que geralmente discorda da Gina (na verdade, há uma implicância mútua no terreno das ideias) concordou com ela.

-Não dá para defender o Pelé, Carlão, a não ser num confronto com o Maradona. - desviou o Daniel a sua atenção do smartphone para entrar na polêmica.

-Para mim, os créditos do Pelé são tantos que cobrem os seus defeitos. As duas maiores alegrias que tive com o futebol foram com a Copa de 58 e 70, e a contribuição do Pelé foi fundamental.

-Ele se acha a oitava maravilha do mundo. - voltou à carga o Claudio apoiados pela mulher e o filho.

Voltei na história.

-Em 1957, o Pelé, cedido pelo Santos, jogou pelo Vasco contra o Belenense de Portugal e fez 3 gols na vitória de 6 a 1. Entrevistado, endeusou-se a si próprio como faria ao longo da vida. Nélson Rodrigues, numa crônica, aplaudiu esse endeusamento, porque ele não se mostrava como os brasileiros, em geral, que são “narcisos às avessas, que cospem na própria imagem”; e previu que Pelé seria o grande nome da Copa do Mundo de 1958, na Suécia.

-E por causa disso não vai reconhecer a filha?... Só vai casar com mulher branca? - não se sensibilizou a Gina.

-O Pelé já teve problemas financeiros, pois foi roubado pelo procurador dele, o Pepe Gordo e nem por isso, fez propagandas de cigarro, de bebidas...

Daniel aproveitou a deixa para imitar o Pelé no comercial da Vitassay, que “dá uma forcinha” na hora do sexo.

Com o ambiente mais descontraído, reportei-me às notícias atuais do futebol em que jogadores como Platini e Beckenbauer, este, principalmente, se envolveram com corrupção na Fifa, o que não é o caso do maior atleta do século.

-Estou vendo aqui – mostrou o Daniel o celular – o Romário abraçado ao Pelé desejando-lhe parabéns pelos seus 75 anos. Ele não disse que o Pelé calado é um poeta?

-Mágoas não são para se guardar. - disse-lhe.

-Pelé calado é um Shakespeare. - afirmou meu irmão.

-”Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que o outro morra.-”, escreveu Shakespeare. - citei.

-Pelé fez propaganda da Skol, Carlão?

Percebi que o Daniel estava de gozação e não respondi, mas não fugi do assunto cerveja.

-O Pasquale Cipro Neto tratou, numa crônica, da propaganda que diz “Skol, a cerveja que desce redondo”.

-Ela não desce redondo, Carlão?

-Ele disse que muita gente pensa que o certo é redonda, porque a cerveja Skol é do gênero feminino.

-Redondo, nessa frase, não é adjetivo.

-Isso, Daniel; é advérbio de modo: a cerveja desce redondamente ou redondo.

-O nosso idioma é terrível. - comentou o Claudio.

-O que eu critico no Pasquale Cipro Neto é ele exemplificar, geralmente, com letras da música popular brasileira, como se os letristas fossem especialistas no idioma.

-É para que os leitores entendam com mais clareza. - disse a Gina.

-Nesse caso específico, há um exemplo ótimo em Machado de Assis; um conto que ele intitulou “Suje-se Gordo!”

-O quê?... Ele mandou o Jô Soares se sujar?

Daniel conseguiu arrancar as risadas que queria.

-Não há vírgula aí; ele quis dizer “suje-se gordamente.” Nesse conto, um sujeito, como jurado, condena um réu que furtou uma ninharia; depois, esse mesmo jurado é réu de um desvio de uma quantia elevadíssima. O primeiro foi condenado, e o segundo, absolvido.

-Sempre foi assim no Brasil: os ladrões de galinha é que vão para a cadeia. - manifestou-se a Gina.

-Esse conto do Machado de Assis retrata bem a impunidade no Brasil. Há um trecho em que ele escreve: “Quer sujar-se? Suje-se gordo!”

-E o Pasquale Cipro Neto me vem com letra de música. - concluí.

-Sujar gordo é com o Lula. - disse meu irmão.

-No caso dele, é obesidade mórbida. - alfinetou a Gina.

 

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

2967 - das estradas de Minas


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5217                             Data:  25  de outubro  de 2015

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25 DE OUTUBRO NO RÁDIO MEMÓRIA

 

E a mudança do Sérgio Fortes continua. Há ouvintes do Rádio Memória, os mais mordazes, que dizem que ela demora tanto quanto a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro. Talvez uma alusão à preguiça dos baianos na hora de transportar os móveis de um lugar a outro. Maldade, pura maldade. Mas, nesse último domingo do mês de outubro, diferentemente dos outros três, Sérgio Fortes, ao telefone, com o Jonas Vieira, não se mostrou descontraído. Vivia um drama nessa altura do campeonato, ou da mudança, como queiram; ficou sem água, sem computador e sem o calendário do dia. Nós particularmente, entendemos a situação do Sérgio; quando nos mudamos de uma rua para outra, no mesmo bairro, anos 80, sumiu um pôster do Fluminense com os autógrafos de todos os jogadores, obtidos no Hotel Nacional por um amigo do meu irmão, da Rua Chaves Pinheiro, por sinal rubro-negro, para presenteá-lo.

 No caso do Sérgio Fortes, ele perdeu o calendário do dia 18 de outubro. Como o Jonas Vieira segurou o Sérgio Fortes no telefone, nesse domingo, por mais de 30 minutos, ele não teve tempo de evocar São Longuinho, durante o programa. Assim, quando achou o calendário e foi feita a gravação era tarde demais para os ouvintes da Rádio Roquette Pinto, mas não para os leitores do Biscoito Molhado. Aqui está o sumido.

 -Jonas, no dia 25 de outubro de 1415... esta data eu não poderia deixar passar porque a Rosa Grieco, leitora do Biscoito Molhado, ficaria fula da vida.

-Por que Sérgio?

-Porque ocorreu a Batalha de Azincourt, que foi retratada por Shakespeare na sua peça Henrique V.

-Os ingleses venceram naturalmente?

-Jonas, eles estavam em número bem menor do que os franceses, mas os temíveis arqueiros da Inglaterra equilibraram as forças e como os seus inimigos ficaram num atoleiro, havia chovido muito, foram derrotados.

-Choveram flechas e água sobre os franceses. -imaginou o Jonas Vieira.

-Antes da Batalha, os franceses disseram displicentemente que cortariam o dedo maior dos arqueiros da Inglaterra, aquele que era o mais usado no arremesso das flechas. Vitoriosos, os arqueiros mostravam, debochadamente, o dedo maior para os prisioneiros. Jonas, aquele gesto obsceno, praticado nacional e internacionalmente, surgiu da Batalha de Azincourt.

-Quase ninguém sabe disso, Sérgio.

-Deviam ouvir o calendário do Rádio Memória.

-E também as gravações do Orlando Silva que pus para tocar. - completou o Jonas.

-Em 1521, Maria Pacheco se rende, entregando Toledo em honrosas condições às tropas de Carlos V, encerrando-se assim a Guerra das Comunidades de Castela.

-Devia ser uma mulher braba, Sérgio.

-Em 1636, João Maurício de Nassau parte do porto de Texel rumo ao Brasil. Foi um grande administrador.

-No Brasil, ele fez o diabo, fez até boi voar. - comentou o Jonas Vieira.

-Em 1760, George III ascende ao trono da Grã-Bretanha e Irlanda.

-Aquele que ficou doido?

-Mesmo doido, Jonas, ele não falou em estocar vento. Parece que a doença dele era porfiria.

-Em 1941, na Segunda Guerra Mundial, inicia-se a ofensiva alemã contra Moscou. Uma data terrível para a humanidade.

-Terrível.

-Em 1949, o quadrimotor de Havilland Comet, primeiro avião comercial propulsionado por motores a jato realiza um voo de prova Londres-Tripoli-Londres em 6 horas e 36 minutos, duas vezes mais rápido do que os aviões convencionais.

-O mundo tinha pressa, Sérgio.

-Em 1964, os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, civis que apoiaram a Revolução, rompem com o presidente militar, que era o Castelo Branco.

-”Das estradas de Minas/ seguiu pra São Paulo/ e falou com Anchieta...” (*) - cantarolou o Jonas o Samba do Crioulo Louco do Sérgio Porto e perguntou a seguir:

-Sérgio, falta o Ademar de Barros nesse rompimento.

-Ele estava tomando conta do seu cofre porque havia muita gente de olho gordo nele.

-Ah, bom.

-Em 1969, o General Médici é eleito presidente do Brasil. Eleito é força de expressão.

-Certamente.

-Em 1983, o presidente Ronald Reagan envia tropas norte-americanas para a invasão de Granada.

-Não foi nessa invasão que torturaram o ditador com músicas de rock tocada em alto volume?

-Não, foi a invasão do Panamá em 1989. Os americanos reproduziram músicas de rock dia e noite numa área densamente povoada, onde se escondia o ditador Noriega e ele acabou se rendendo.

-Imagina, Sérgio, se os americanos atacassem com as músicas que são tocadas hoje no Brasil?

-O Noriega se renderia em 10 minutos.

-Que tortura!

-Em 2001, a Microsoft lança o Windows XP. Jonas, 14 anos são transcorridos e eu ainda não me entendi com ele.

-Nem eu.

-Nascimentos. - impostou a voz.

-Em 1767, Benjamin Constant, não o nosso do lema “Ordem e Progresso”, que já falamos, mas o escritor e político francês de origem suíça.

-Em 1825, Johann Strauss II, o maior compositor de valsas e autor de inspiradas operetas como “O Morcego”.

-Ele superou o pai, Sérgio.

-Um jornal fez uma pesquisa, uma espécie de Datafolha, e Johann Strauss II só perdeu em popularidade para a Rainha Vitória e Bismarck.

-Em 1838, nasce George Bizet, excepcional compositor francês. Pena que só viveu 37 anos.

-Mas nos deixou a “Carmen”.

-Em 1881, Picasso, pintor espanhol. Ele viveu muito: 92 anos.

-Em 1886, Humberto de Campos. Aqui, no papel, está político brasileiro, apenas, mas ele foi, sobretudo, escritor. Cronista muito popular na época, hoje, é muito pouco lido.

-Em 1937, Roberto Menescal.

-Ótimo compositor.

-Em 1946, Elias Figueiroa, futebolista chileno. Como jogava bem! Só teve um defeito; não foi do Fluminense.

-Um craque, Sérgio.

-Falecimentos. - impostou de novo a voz.

-Em 1760, o Rei George II da Grã-Bretanha. Eu já falei da ascensão ao trono de George III nesta data. É sempre assim: rei morto, rei posto.

-O rei morreu?! Viva o rei! Não dá tempo nem pra chorar o falecido.- comentou o Jonas Vieira.

-Em 1921, morria Bat Masterson. Aqui, no papel, está jornalista e advogado estadunidense, mas ele era, acima de tudo, um mestre do carteado.

-Ele foi glamourizado pelo cinema americano, mas até búfalo ele caçou no velho oeste. Foi um predador do meio ambiente.

-Quem foi assassinado no meio de uma partida de pôquer foi Wild Bill Hickok. Ele estava com um par de azes e de oito, que ficou conhecido como a “Mão do Homem Morto”.

-Em 1973, Abebe Bikila, maratonista etíope.  Venceu duas maratonas em Jogos Olímpicos.

-E a primeira que ganhou correu descalço, Sérgio.

-Em 1993, morria o ator Vincent Price.

-O vampiro mais famoso do cinema, Sérgio.

-Dizem que ele, longe das telas, gostava de levar umas mordidelas no pescoço.

-Não se meta nessas fofocas, Sérgio.

-Jonas, hoje é o aniversário de vários municípios, mas eu só vou citar uma porque o tempo urge.

-Vai criar enciumadas, Sérgio.

-Miguel Pereira. Vai lá também Ipueiras, que é do seu estado, Ceará.

-Certo.

-Jonas, hoje é Dia Nacional do Macarrão.

-Vamos comemorar, então, Sérgio, na sua casa nova.

-Por causa dessa minha mudança, nem as panelas para a Bete fazer uma boa macarronada chegaram ainda.

E, assim, sem macarrão, terminou o calendário do dia 25 de outubro.

 

(*) esta mudança melhorou bastante o programa.

 

 

 

terça-feira, 27 de outubro de 2015

2966 - Fiat Lux


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5216                           Data:  24  de outubro  de 2015

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125ª VISITA À MINHA CASA

 

-Vou acender a luz. - disse a Thomas Edison logo que ele surgiu à minha frente.

-Se quiser acender a vela, não haverá problemas para mim.

-Uma brincadeira?... - indaguei sorrindo.

-Não, não é. Eu, quando fiz a primeira demonstração pública da lâmpada, disse que nós iríamos fazer a eletricidade tão barata que somente os ricos iriam acender velas. Eu me referia aos abonados que faziam uso de castiçais nos jantares suntuosos para manter a tradição aristocrática.

-Mas a minha casa é muito modesta para que se faça uso de castiçais.

-Evidentemente que esses ricos tinham luz elétrica nas suas casas e incontáveis números de lâmpadas.

-Falando nelas, as lâmpadas incandescentes, depois de mais de cem anos, não serão mais fabricadas.

-E o que vai substituir as minhas lâmpadas de filamento de carbono? - não conteve a indignação. (*)

-A lâmpada fluorescente.

-Nicolai Tesla de novo! - deu um murro na mesa tal a sua irritação.

-Eu li que ele inventou a lâmpada fluorescente, que entrou em alguns mercados na década de 30. A grande vantagem dela é possuir mais energia eletromagnética em forma de luz do que calor.

-E a sua grande desvantagem é que quando elas se quebram emitem vapores tóxicos de mercúrio que impregnam todo o ambiente e é necessário que todos fiquem longe, no mínimo, por 30 minutos para que não haja sérias consequências no organismo.- contra-atacou.

-Basta tomar cuidado, como no caso da corrente alternada.

-Depois do invento da lâmpada elétrica, eu pretendia iluminar o mundo com a corrente contínua, bem menos perigosa, mas o Westinghouse, um empreendedor milionário, comprou a ideia do Nicolai Tesla sobre a corrente alternada e frustrou meus planos.

-Mas você ganhou muito dinheiro com a G.E. Você registrou a patente da lâmpada em 1880 e aumentou a vida útil dela para 600 horas; antes, havia desenvolvido um dínamo que fornecia energia elétrica para um bairro inteiro.

-Quando o megainvestitor John Pierpoint Morgan meteu dinheiro nas nossas ideias, claro, para ter um retorno financeiro pra lá de compensador, a empresa se tornou uma multinacional.

-Nesse momento, fundiram-se a Edison General Electric Company e a Thomson-Houston Company e surgiu a General Electric Company?

-Sim – disse ele – e a marca GE, monograma e logotipo foi registrada em 1900.

-Enquanto isso, você pensava em outras invenções.

-Sim, eu pensava.

-Você e a sua equipe, não foi assim? Você liderava uma formidável equipe de inventores e pesquisadores, os melhores que havia, entre eles, Nicolai Tesla, considerado um gênio, que o deixou e foi municiar o seu grande rival George Westinghouse, Jr.

-Essa guerra das correntes, alternada versus contínua, foi muito desgastante.

-Tão desgastante que um elefante foi eletrocutado e a cadeira elétrica foi inventada.

Não me honrou com um comentário sobre isso.

-Penso, devo estar errado, que você se assemelha, profissionalmente, com o Walt Disney.

-Quem é Walt Disney?... Não conheci.

-Walt Disney, como desenhista, criou o Mickey Mouse, talvez o personagem de desenho animado mais famoso do mundo. Mas Walt Disney era, acima de tudo, um empreendedor. Com a equipe que estava por trás dele, outros personagens tão emblemáticos foram criados; vieram gibis, televisão, cinema, até superparques temáticos que atraem turistas de todo o mundo.

-Ah, estou lembrando... ele já fazia sucesso na década de 20. Quando eu morri, em 1931, não havia superparque algum. Certo, eu sou um empreendedor como ele, mas sou, primeiramente, inventor.

-Criar novos objetos mexia com a sua imaginação desde a infância?

-Sim; nasci em Ohio, cidade de Milan, em 1947; eu era o caçula de sete filhos. Na escola, fiquei três meses porque a professora me considerava meio retardado.

-Na verdade, você tinha problema de audição.

-Possessa, a minha mãe me retirou da escola e passou a me dar aulas.

-Quando vocês foram para Michigan?

-Quando eu estava com 12 anos de idade. Lá, vendi doces, jornais e verduras nos trens. Claro que não me limitei a isso; nas horas vagas, eu ia para o vagão de bagagens e fazia umas experiências químicas.

-E quando você publicou e comercializou o “Grand Trunk Herald”?

-Mais ou menos nesse período. As minhas vocações para o empreendedorismo e para a invenção surgiram quase ao mesmo tempo.

-Os seus biógrafos assinalam que a virada na sua vida se deu quando você salvou um menino de ser atingido por um trem desgovernado.

-Eu tinha 15 anos de idade. Agradecido, o pai do garoto, que trabalhava na estação do trem, me ensinou a operar telégrafo. Era a primeira vez que eu lidava com componentes elétricos. Fiquei fascinado e, por um tempo, fui operador de telégrafos da Western Union.

-E depois?

-Dediquei-me a pôr em prática o que estava na minha imaginação.

-Dedicou-se aos inventos?

-Qual o primeiro deles?

-Patenteei um gravador elétrico de votos para facilitar as votações no Congresso. Não obtive o triunfo que eu desejava.

-E quando colheu o seu primeiro triunfo?

-Foi em 1874, eu estava com 27 anos de idade; inventei um novo modelo de telégrafo e vendi os direitos autorais para a Western Union por 10 mil dólares.

-Uma bolada de dinheiro na época. Calculo que, atualizados, seriam uns 250 mil dólares.

-Com essa dinheirama investi; fundei um laboratório especializado em pesquisa industrial e inovações tecnológicas em Menlo Park no estado de Nova Jersey.

-Você seria conhecido como “o mago de Menlo Park”.

-Os inventores não deveriam trabalhar sozinhos, os obstáculos são muito mais difíceis para serem vencidos, assim, eu recrutei os melhores para trabalharem comigo.

Inventou o “ghost inventor”. – não verbalizei o que pensara.

-Como foi a invenção do fonógrafo, o primeiro aparelho capacitado a registrar a voz humana, que o tornou conhecido nacional e internacionalmente?

-Nós trabalhávamos no aperfeiçoamento de outros inventos, como o telefone do Graham Bell ou do Antonio Meucci... sei lá, não me interessa! Então, descobri uma maneira de registrar a minha voz.

-Aqui, no Brasil, tínhamos um imperador, Dom Pedro II, sempre antenado com as inovações tecnológicas, por isso, foram os membros da família imperial os primeiros a terem as vozes gravadas. Comercialmente, o tcheco Frederico Figner introduziu o fonógrafo e compositores como Chiquinha Gonzaga deixaram de vender partituras de porta em porta.

-Não deitei nos louros e parti para a invenção da lâmpada elétrica.

-O acendedor do lampião a gás inspirou poemas, aparece em óperas célebres... Sairiam de cena.

-Começamos a trabalhar no fim do século XIX para que a Era do Carvão desse lugar à eletricidade.

-Os Irmãos Lumière não estavam na sua equipe, viviam na França e ficaram conhecidos como os inventores do cinema em 1895.

-Antes, em 1891, eu havia inventado o cinetoscópio, que era uma máquina que tinha dentro um filme com fotografias em série.

-Sei, Edison; olhava-se por um buraco, enquanto se girava uma manivela e as imagens entravam em movimento.

-Já no ano seguinte, fundei a Edison Studios. Foram produzidos mais de mil filmes até 1918.

-Enquanto você viveu, quantas patentes foram registradas no seu nome.

-Mais de mil.

-Mil e noventa e três, diz aqui no Google.

-Se eu estivesse vivo, todos esses criadores do mundo dos computadores, teriam trabalhado para mim. – disse, enquanto partia.

 

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO repudia essa ideia do redator de que Thomas Edison pudesse estar mal informado.

 

 

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

2964 - pixulecos congestionantes


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5214                                Data:  20  de outubro  de 2015

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211ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

Dia 8 de outubro eu estava em casa. Meus cinco derradeiros dias de férias eram, por escolha minha, na semana do meu aniversário; mas eu teria de me encontrar com colegas de trabalho para um almoço comemorativo na Rua do Ouvidor. Não só eu seria celebrado, também uma colega que nasceu no mesmo dia e mês, a diferença se achava nos anos, 14 em meu desfavor. Eu teria de ir por ela e por mim.

Tracei o meu plano: sairia de casa às 11h para pegar o primeiro táxi que encontrasse, saltaria na estação de Maria da Graça, de lá, pegaria o trem do metrô e, por volta de 11h 45min, eu pisaria o chão da Rua Uruguaiana no mais tardar. Mas – lembrando o Garrincha – esqueci-me de combinar com os russos.

Saí de casa e não andei 100 metros quando vi um táxi da Coopnorte no ponto da Rua Renoir.

-Estação do metrô de Maria da Graça.

-Vamos lá. - animou-se o taxista, um moço de uns 30 anos, que, pelo jeito, aguardava horas por um passageiro.

Desceu a rua e perdeu alguns minutos na espera de um espaço para entrar no fluxo do trânsito da Avenida Suburbana. Fluxo?... Se podemos chamar essa avenida de artéria, ela estava enfartada, tantos eram os veículos parados.

-Seria bem melhor se você fizesse o caminho alternativo. - observei, e ele me ouviu calado.

Agora, era tarde; já estávamos na Suburbana na agonia daquele congestionamento.

-Táxi para a Modigliani 97. - ouviu-se uma voz de mulher; ele deixara o rádio da central da cooperativa ligado.

-É onde eu moro. - disse-lhe.

A voz da mulher prosseguiu:

-Para Dona Hedwiges.

-É a minha mãe. Minha irmã foi visitá-la e está voltando para casa agora. Vou avisá-la para não deixar o taxista entrar de jeito nenhum na Suburbana.

Disse-lhe essas palavras, enquanto acionava o celular. A ligação caiu na caixa postal.

Pelo fato de o rádio do seu carro estar ligado, ele sabia, com toda certeza, que o tráfego da metade do Rio de Janeiro entrara em colapso, há algum tempo, devido a um acidente na Avenida Brasil na altura de Benfica.

-Vou fazer uma coisa que é ruim para mim, mas boa para o senhor: vou deixá-lo na estação do Nova América, que é mais perto.

Era o mínimo que ele poderia fazer por mim depois dessa lambança. - pensei, mas nada disse.

Logo que desceu o Viaduto de Del Castilho, ele manobrou perigosamente o carro para fugir do engarrafamento; para tanto, subiu a estreita calçada que divide as duas pistas do viaduto em busca da Avenida Martin Luther King Júnior onde o tráfego fluía.  Deixou-me na estação do metrô de Del Castilho, sem antes xingar de “motorista profissional de merda” o condutor de um caminhão que o obrigou a frear para que o abalroamento fosse evitado.

De Del Castilho até a Uruguaiana, em toda a parte em que o metrô é de superfície, eu vi o trânsito parado e ouvi xingamentos ao prefeito Eduardo Paes.

No meu retorno do almoço, a coisa normalizara. Voltei às 3h da tarde, quando o corpo do policial militar, atropelado por um ônibus na contramão, já havia sido retirado e todo o acidente periciado – o transtorno que afetou o transporte da metade da cidade fora devido à demora de 1h 35min da perícia para chegar ao local.

Saltei na estação de Maria da Graça e o táxi que ponteava a fila do ponto da Domingo de Magalhães era o do 017.

Puxei conversa.

-A Fernanda Torres, na sua coluna na VEJA, escreveu que foi à Praça Mauá e ficou maravilhada com o que viu. Disse que sentiríamos saudades do Eduardo Paes.

-Pois sim. - grasnou.

-Na semana seguinte, uma leitora, revelando-se admiradora dos textos da filha da Fernanda Montenegro, criticou-a pela exaltação ao prefeito, pois ele largou de mão os hospitais e as escolas. Fernanda Torres, quando voltou à sua crônica, fala do puxão de orelha que levou dessa leitora e reconheceu que exagerara nos elogios.

-Esse cara não faz nada pela saúde e educação. - exaltou-se o 017.

-O PMDB quer lançar um candidato a Presidente da República, em 2018 e o nome cogitado é o do Eduardo Paes, pois os políticos de destaque do partido, sem exceção, têm problemas com a Justiça.

-E ele não tem?

-Nessas obras para as olimpíadas, não se fala em superfaturamento...

-Por enquanto. - cortou-me.

-Sim, por enquanto, mas, enquanto eram feitas as obras para a Copa do Mundo, já havia mil denúncias de superfaturamentos.

-Esse Eduardo Paes é outro safado. Veja a ponte Hercílio Luz, uma vergonha! O que se gastou...

-Ela não fica em Santa Catarina? - intervim com ironia, que, acredito, imperceptível para ele.

-É... fica lá no sul. (*)

Sem tomar fôlego, sacou outra ação vergonhosa.

-E o superfaturamento do Engenhão?... Um material vagabundo que pôs em risco a vida dos torcedores, se o estádio desabasse.

Dessa vez, fui mais direto.

-Isso é com o César Maia.

-Ele foi prefeitinho do César Maia.

-A presidente Dilma disse que o Eduardo Paes é o melhor prefeito da galáxia, que não é a Via Láctea.

-Ela é maluca.

Chegamos a um acordo neste ponto e também à Rua Modigliani.

No dia seguinte, havia vários taxistas no ponto da Domingo de Magalhães, formando um grupo de conversadores, com seus respectivos carros enfileirados. O único que se achava no seu posto de motorista era o Albino, talvez porque o seu táxi ponteasse a fila, mas logo constatei que o motivo era outro.

-Ficam jogando conversa fora...

-A turma ali?- indaguei.

-Não se aproveita nada do que falam, por isso, eu quero distância.

-Ontem mesmo, na corrida com um deles, eu me arrependi de ter puxado assunto sobre política.

Como ele nada disse, eu acrescentei:

-Falei-lhe sobre o artigo da Fernanda Torres louvando o Eduardo Paes pelas obras, enquanto a educação e os hospitais ficam esquecidos.

-Sim; mas ele está reformulando a cidade.

-Não nego, mas o Carlos Lacerda fez obras importantíssimas e não deixou de construir milhares de escolas e fundar hospitais, como o Salgado Filho.

-As obras do Eduardo Paes são também muito importantes. - argumentou.

-Paulo de Frontin abriu a Rio Branco, na época, Avenida Central, derrubando cortiços que eram propagadores de peste bubônica, febre amarela, o diabo. – contra-argumentei.

-Sim, mas só a derrubada da perimetral foi um grande feito do prefeito.

E discordando, às vezes concordando, chegamos a Modigliani.

 

(*) A ponte pode ficar no Sul, mas os paesxulecos estão mais ao Norte, na Conexão Panamá.

 

 

 

 

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

2965 - Mc Palestra Feliz


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5215                        Data:  22  de outubro  de 2015

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DIECKMANN COMO CHEFE

 

Um dia, um colega de trabalho me perguntou se o Roberto Dieckmann era pai de uma atriz da Globo, confirmei. Esse colega me disse que sempre ouviu falar dele como especialista de carros clássicos, que também adora e que não perdia uma exposição no Forte de Copacabana no dia 7 de setembro. Falei-lhe, então, do Dieckmann como chefe da Coordenadoria-Geral de Tranpostes Marítimos e como ele se assemelhava com o professor retratado no filme “A Sociedade dos Poetas Mortos”, que tentou oxigenar um ambiente emperrado por autoridades carrancudas.

Uma das marcas do Dieckmann como chefe foram as palestras, por ele promovidas, no ambiente de trabalho, o que não se viu mais desde a sua saída no final do ano 2002. Foram muitas, mas eu me lembro da primeira delas, por duas razões: refratário ao novo, assisti a ela um tanto contrariado e a segunda razão foi o assanhamento das minhas colegas com a beleza do conferencista. Tratava-se de um oficial da Marinha na faixa dos 40 anos que palestrou sobre o submarino Tupi. Eu e mais uns cinco chegamos com uns quinze minutos de atraso, provocando ruídos de cadeiras que se arrastavam com as alas que eram abertas, provocando reclamações das moçoilas que tiveram as suas visões prejudicadas. Na ocasião, percebi um resmungo do Dieckmann: “Agora que eles chegam...”

E vieram muitas outras como essa, concorridas apesar de os palestrantes que se seguiram não terem a aparência de galã do primeiro. Sérgio – recordo-me ainda do nome – por exemplo, estava mais para o ogro Shrek do que para príncipe encantado com os seus 110 quilos ou mais. Ele trabalhava numa empresa holandesa de salvatagem, a SMIT, precisamente e discorreu para nós sobre a Plataforma P-36, da Petrobras, que se encontrava adernada na Bacia de Campos depois de uma explosão. Explicou-nos o que era “manifold de produção” e outros termos técnicos que desconhecíamos.

Quando a plataforma afundou de vez, uma colega espirituosa afirmou que isso aconteceu porque não aguentou o peso do Sérgio quando subiu nela para salvá-la.

Sérgio voltou na tarde do dia em que o Brasil vencera a Inglaterra por 2 a 1, na Copa do Mundo de 2002 – não houve expediente no turno da manhã – para falar da operação de resgate do submarino atômico Kursk, da Armada da Rússia, que afundara no Mar de Barents. No final da sua fala, apertei-lhe a mão e uma amiga alarmista, que viu a cena, me repreendeu:

-Você é maluco?... Ele está radioativo.

Fernanda... Sim, também havia palestrantes do sexo feminino. Ela abordaria a necessidade de o nosso peso corporal ser controlado e a importância de uma reeducação alimentar. Quando eu soube que a White Martins era uma das empresas que acolhia seus os ensinamentos, entusiasmei-me, pois eu tinha laços afetivos com a White Martins por causa dos rendimentos das suas ações; assim, fui um dos primeiros a chegar à sala de reunião. Quando todos estávamos reunidos, Fernanda elogiou a minha magreza, ou melhor, compleição física – na época, eu corria uma hora todos os dias praticamente. Mas por que ela não elogiou alguém do seu sexo? Havia, ali, mulheres magras, pouquíssimas, é verdade, mas havia. Isso me aferrou ainda mais à ideia que uma mulher não elogia outra.

Mas de todas essas palestras, eu não tenho dúvida, que foi sobre postura a mais procurada; até funcionários de outros andares do Departamento de Marinha Mercante vieram à Coordenadoria-Geral de Transportes Marítimos assistir a ela. O conferencista tinha um vasto currículo, constando até uma passagem, como médico, pelo Bangu Atlético Clube.

Sem interrupções, ele só palestrou por uns quinze minutos, pois vieram as perguntas que ele respondia com uma paciência bíblica, de Jó, bem entendido e não de Eliseu, aquele profeta que matou 42 jovens porque foi chamado por eles de careca.

-Doutor, às vezes, as minhas mãos estão ocupadas e eu tenho de encaixar o telefone entre o rosto e o ombro para falar nele. Isso é ruim para a coluna cervical já que sinto o pescoço doer?  - perguntou a secretária do Fagundes, coordenador de outra área marítima, que trabalhava em um andar diferente do nosso.

-Doutor, depois de sentada, eu noto que as minhas nádegas escorregam vagarosamente pela cadeira; é por isso que eu tenho dores lombares?

-Doutor, meu filho de 8 anos de idade vê, às vezes, televisão de cabeça para baixo, as pernas deles se apoiam no encosto do sofá; isto, mais tarde, pode afetar a sua coluna?

Não sei quando cessou o bombardeio de perguntas, pois me retirei às 4h 30min, mas soube, no dia seguinte, que a palestra chegou às 6h, quando já anoitecia.

O doutor da postura prometeu voltar, para atender àqueles que não conseguiram expor seus problemas, mas nunca mais apareceu.

Dieckmann também trouxe um especialista em transportes marítimos de produtos químicos.  Ele não se ateve unicamente ao transporte, também aludiu aos produtos químicos e às suas combinações explosivas. Em dado momento, o palestrante disse que uma gota só de uma determinada mistura seria suficiente para matar todas as pessoas que estavam ali, naquela sala.

-Como se obtém essa gota? - perguntou o chefe de uma das divisões da coordenadoria de Transporte Marítimo, deixando alguns dos seus desafetos de cabelos em pé.

Mas os pelos de todos, sem exceção, ficaram arrepiados foi quando o conferencista informou que vinham embarcações com todo o espaço ocupado por produtos químicos para a Coca-Cola, que os importava. Durante uma semana, o pessoal não foi comer McLanche Feliz no Mc Donald's porque incluía esse refrigerante.

Com a reforma administrativa levada a cabo pelo ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, surgiram as agências reguladoras e, assim, fomos levados para uma delas, ficando para trás a Coordenadoria-Geral de Marinha Mercante, o cargo do Dieckmann e as palestras.

No novo órgão, essas inovações, como na turma do professor do filme “A Sociedade dos Poetas Mortos”, não eram vistas com bons olhos; ainda assim, o Dieckmann, meio na clandestinidade, deu uma palestra para os amigos dos velhos tempos, o assunto era o universo em expansão. Com a chegada dos novos chefes, ele não se expandiu muito.

Aquelas palestras deixaram saudades. (*)

 

(*) Se o objetivo desta reminiscência era obter uma saraivada de asteriscos, o redator se equivocou. Consultado, o Dieckmann disse, com a pureza de um desmemoriado, que não se lembra de nada disso e que quem gosta de passado é museu. Pelo jeito, ele não leu, mas, mesmo assim, o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO, em nome de seus leitores, agradece a sua passagem pelo mundo maravilhoso da Marinha Mercante.