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terça-feira, 30 de setembro de 2014

2704 - Troglodieck asterisca


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4954                                       Data: 25 de  setembro de 2014

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OS ASTERISCOS DO DIECKMANN

 

Dieckmann não é dado ao envio de cartas à nossa redação, embora vez ou outra nos chegue uma carta sua. Ele costuma mesmo é mandar seus recados através de asteriscos. Primeiramente, vamos à história dos asteriscos.

A palavra vem do latim asteriscum, mas a origem é grega com o significado de “estrelinha”. Esses dados se acham no wikipédia e ainda não foram deturpados pelos petistas aloprados, embora fale de “estrelinha”. Falando no símbolo do PT, não tenho mais visto... será que a estrela sumiu na lama?...

 Agora, a nossa historinha particular do asterisco. Um amigo meu e do Dieckmann colocava uns pitacos no texto deste periódico a que chamava de cacos. Ora, o redator do BM guarda umas semelhanças com o personagem do Gary Cooper, no filme “The Fountainhead” (“Vontade Indômita”), de 1949, um arquiteto que explodiu um prédio que ele construíra porque, à sua revelia, acrescentaram, se a memória não me trai, umas varandas.

Dieckmann disse que, quanto a ele, não havia problemas, não mexeria em nada, mas faria comentários, quando coubessem, por meios de asteriscos e assim foi feito. Neste número, vamos nos referir a alguns deles. Quanto ao outro amigo, faz observações por mensagem eletrônica.

“(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO suspeita que a pronúncia tenha sido “vangôgui” quando o certo é “vangohr”. Apenas belgas, holandeses e cariocas têm a habilidade lingual (a anatômica mesmo) para usarem e abusarem dos fonemas guturais, mas é factível supor que o populacho da Praça Mané não exerça essa habilidade.”

No caso acima, ele tece comentários sobre o exemplar do Biscoito Molhado que tratou de uma conversa do redator com um taxista sobre a pronúncia dos nomes das ruas nas proximidades da Praça Manet, mormente franceses, pelos moradores. Dieckmann, no seu asterisco, os chama de populacho. Por que essa palavra tão dura? Por pouco não os tratou de “patuleia” como o Paulo Francis, que nunca primou pela cortesia nas suas apreciações. Mas passemos à questão principal. (*)

O mencionado BM fala da pronúncia equivocada dos nomes franceses dos logradouros, por parte dos moradores de Del Castilho, critica-os até chegar à Rua Van Gogh. Como se trata de um nome holandês, a crítica não seguiu adiante. Foi aí que o Dieckmann entrou em cena com o seu asterisco. Como vemos, ele esculhambou  a todos nós pela falta de “habilidade”  de não pronunciarmos “Vangohr”.

Caramba, se sou visto como pernóstico por pronunciar “Manê” em vez de “Mané”, imaginem se pronuncio “Vangohr”, como o Dieckmann quer: ou serei expulso do táxi, ou levado para Ricardo de Albuquerque.

 

“(*) Andrea é uma craque; além disso, foi vizinha do Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO, na Rua Triunfo, durante muitos anos e era um privilégio ouvir – baixinho – suas práticas. Vez por outra vai à feira da Rua General Glicério. Nota 10.”

Nós escrevemos, recentemente, três BMs sobre a presença da flautista Andrea Ernest Dias no programa Rádio Memória. Dieckmann, cujo saco de confetes nos parecia vazio de uns cinco anos para cá, nos surpreendeu com os elogios que fez à artista; não, porque ela não merecia, mereceu. Outro fato raro é um vizinho se deliciar com os ensaios de um músico; até mesmo Beethoven teve problemas com a vizinhança quando dedilhava o piano em busca das notas exatas de uma nova composição.

Sérgio Fortes, que participou desse programa com a exímia instrumentista, citou, em um Rádio Memória anterior, o Bolinha dos gibis que agredia os ouvidos de todas as pessoas próximas quando estudava violino. O próprio Sérgio Fortes é citado na biografia do seu pai, escrita por Rogério Barbosa Lima. Nela, Paulo Fortes dá aulas de canto ao filho, que pretendia ser tenor e o deixa mudo durante todo o dia seguinte. Já imaginaram como os vizinhos dos Fortes sofreram com os dós de peito do Sérgio?

Falando nele, aludiu certa vez, também no Rádio Memória, que o gato do João Gilberto preferiu o suicídio, atirando-se pela janela do apartamento, depois do músico da Bossa Nova tentar pela milésima um acorde no violão.

Certamente, isso é lenda, mas o que aconteceu com o celebrado saxofonista John Coltrane teve várias testemunhas e foi para as páginas de jornais e livros. Ensaiando, eternamente, numa espelunca dos Estados Unidos, deixou uma garçonete ensandecida com o seu trombone; ela deixou o prato que carregava se espatifar, enquanto dizia, com as mãos nos ouvidos, que não aguentava mais aquilo. Mas voltemos ao asterisco do Dieckmann.

Ele, renomado pela sua falta de delicadeza, haja vista o “populacho” (**) do primeiro asterisco, nos surpreendeu com os confetes que jogou na Andrea. O troglodieck – codinome que recebeu dos amigos do tempo do Colégio Militar – se amansou com a flauta da artista.      

Concordamos inteiramente com ele, “Andrea é uma craque”. Acreditamos que o Sérgio Forte e o Jonas Vieira, que tomam cerveja na Rua General Glicério, enquanto dividem pasteizinhos com os pássaros, param todos os comes e bebes para ouvir a sua arte quando ela lá aparece.

 

A edição 2695 do Biscoito Molhado levou o Dieckmann a redigir o seguinte asterisco:

“(*) O rato Mickey surgiu no desenho “Steamboat Willie” de 1928, e foi personagem de uma série de desenhos animados que foram incorporados outros personagens. Daí para os quadrinhos, foi um pulo e o auge dessa produção esteve nas décadas de 50 e 60; hoje, as aparições não se dão em histórias e a aposentadoria dele veio em forma de mestre de cerimônias, quando teria sido melhor um par de bengalas. Certamente, as crianças de hoje não entendem o porquê do Mickey.”

Aqui, um pequeno... que palavra usarei para evitar flashback? Está difícil com tantos estrangeirismos no nosso dia a dia. Ah, sim: recapitulação. Aqui, uma pequena recapitulação. Numa festa infantil, o animador sabatinou a criançada com várias perguntas, uma delas esta: “Qual é o rato de filmes do cinema que é muito famoso e rico?” A petizada respondeu Ratatouille e até Stuart Little, ninguém citou o Mickey. E para culminar, a mãe de uma das crianças, ao ouvir o nome do personagem do Walt Disney, se surpreende e surpreendeu a todos nós com a pergunta: “Mickey é um rato?...”

Divulgamos esse fato no Biscoito Molhado nº 2695. Dieckmann, que é colecionador de gibis do Mickey, postando todos os sábados no Facebook, páginas das aventuras de um dos maiores personagens fictícios do século XX, não pôde deixar de comentar esse caso.  Justifica o desconhecimento das crianças e poupa a mãe de uma delas pela ignorância. Ele tem toda a razão; por que os Estúdios Walt Disney não aposentaram o Mickey, em vez de colocá-lo no degradante papel de mestre de cerimônias?

Por hoje, é só.

 

(*) Ilação precipitada do redator do seu O BISCOITO MOLHADO. O populacho a que o Dieckmann se refere não é composto pela vizinhança da Praça Manet, mas sim por quem a chama de Mané, more onde morar.

 

(**) Vide o (*).

 

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

2703 - o tornozelo melódico 2


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4953                                 Data: 23 de  setembro de 2014

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UM NOBRE NO RÁDIO MEMÓRIA

2ª PARTE

 

-Agora, Paulo Marquez canta de Vadico e Noel Rosa “Cem Mil Réis”.

-Sensacional! - exultou o Jonas Vieira por todos os centavos da música.

-Posso contar sobre essa gravação?

Evidentemente que o Jonas Vieira deu o sinal verde ao seu convidado.

-Ricardo Cravo Albin produziu um disco, que só falava em dinheiro, para a inauguração de uma agência do Banco do Brasil, no Japão, eu contribuí com duas músicas: “Cem Mil Réis” e “Pra que dinheiro?”, do Martinho.

Disco, suponhamos, que o Tio Patinhas deve ter na sua discoteca em Patópolis.

-Vamos ouvir, agora, Mário Lago?...

Como Simon Khoury, Paulo Marquez também é um contador de causos:

-Liguei para o Mário Lago, e ele ouviu a minha interpretação, pelo telefone, da sua música “Fracasso”. No fim, ele me perguntou por que eu não cantava na época em que ele lançou o disco.

-A primeira gravação foi do Francisco Alves. - assinalou o titular do programa.

E “Fracasso”, que não ouvíamos desde 8 de julho deste ano, quando o Brasil jogou com a Alemanha, foi ao ar, dessa vez com resultado bem melhor.

-Você veio para o Rio cantar no rádio?

-Cantei na Mayrink Veiga, quando fiz um teste.

-E se saiu bem.

-Estreei no programa de sábado do Carlos Henrique.

-Você gravou muita coisa do Orlando Silva.

-Sou fã dele até hoje. Com oito anos de idade, eu já cantava Orlando Silva.

-Gosto do Orlando Silva, cantado por você, “Noutros Tempos Era Eu.”

Paulo Marquez não hesitou e cantou à capela a canção “Noutros Tempos Era Eu”.

-O vozeirão está bom.

E nós acrescentaríamos às palavras do Jonas Vieira a memória do cantor.

Atendendo ao pedido do anfitrião, Paulo Marquez falou que, atualmente, se apresenta na produção de Haroldo Costa “Músicas de bar em bairros”, começou na Tijuca, na rua Garibaldi, depois passou pela Penha, Guaratiba, Anchieta, e a próxima apresentação, o encerramento, seria no Parque Madureira no dia 23 de setembro.

-Quando foi a sua primeira gravação?

-Em 1956, cantei o samba de Renato Oliveira “Perua”, num 78 rpm para a Colúmbia.

E acrescentou que a sua voz romântica também se adapta ao samba.

-Quanta praga jogaram na perua! - criticou o Jonas Vieira a letra em tom jocoso depois da audição.

Voltou-se de novo para o convidado do Rádio Memória:

-Você regravou uma pérola da música popular brasileira, “Tive Sim”, do Cartola.

-O Cartola queria que o Cyro Monteiro gravasse um LP com as suas composições, mas houve um problema de gravadoras, o Cyro era da RCA Victor.  Comigo, estava tudo certo.

-Como se vê, você continua a fazer shows.

-Faço até hoje, eles me chamam e eu vou, mas tenho autocrítica, se não estiver bem, não faço.

Veio a “Pausa para meditação”, crônica do Fernando Milfont na locução do José Maurício. O tema “Amoladores” ia das tesouras aos chatos. Seguiram-se à pausa, os amoladores, propriamente ditos, ou seja, os candidatos pedindo  nossos votos no próximo dia 5 de outubro.

Agora, a segunda parte.

-Rádio Roquette Pinto. 94.1. FM. Rádio Memória, hoje com Paulo Marquez, e sem Sérgio Fortes que está com o pé inchado.

O convidado voltou à “aurora da sua vida”, como Casimiro de Abreu chamava os seus oito anos de vida, mas, em vez de ficar “naquelas tardes fagueiras à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais” como o poeta, soltava a voz e infernizava os outros, segundo suas palavras.

Jonas Vieira lembrou mais uma vez Orlando Silva, e Paulo Marquez repetiu que é fã incondicional do cantor, o maior do Brasil.

-O Orlando era um fenômeno mundial. - frisou o Jonas.

A palavra retornou ao convidado:

-Eu cantava todo o repertório do Orlando Silva. Na Escola Guerra Junqueira, onde fiz o curso primário, eu cantava dele “Jardim de Infância”.

Logo em seguida, põe-se a cantar à capela essa criação de 1939, de Nássara e Cristóvão de Alencar, e mais uma vez surpreendeu os ouvintes daquela manhã de domingo pela sua memória e voz, apesar de octogenário.

De novo, a sua história:

-Com nove anos de idade, de férias na roça, na Festa de Santos Reis, cantei “Jardineira”, lançado no carnaval de 1939.

1938. - corrigiu o Jonas Vieira o ano do lançamento da marchinha e salientou o fato único de o Orlando Silva ter lançado quatro sucessos de carnaval em um só ano.

Citado outro sucesso do ídolo maior do Jonas Vieira, também gravado pelo seu convidado, o fox-trot “Naná”, de Custódio Mesquita, Geysa Bôscoli e Jardel Bôscoli, Paulo Marquez se pôs a cantá-lo, mais uma vez, à capela.

-Você está em plena forma física e técnica. - fez o elogio que não queria calar.

Passaram, então, para um repertório mais recente, no caso, “Camelô”, de Billy Blanco. Paulo Marquez contou que Billy Blanco recebeu a luz verde para fazer um LP, escolheu, então, o Radamés Gnattali, e, quanto ao cantor: “ele me quis porque considerava boa a minha dicção para as partes recitadas. Na época, eu só tinha gravado aquele disco 78 rpm de que já falei.”

-Rádio Roquette Pinto 94.1 FM Programa Rádio Memória. O melhor da música do Brasil e do mundo inteiro.

-O título do programa é primordial. Da turma do meu tempo morreu o último, Miltinho. O único vivo sou eu.- registrou o Paulo Marquez.

-Atuando, sim; o Gilberto Milfont está vivo, mas não atua.

-Há o Cauby – lembrou -, mas inteirão só eu.

-Agora,  “Feiura” não é nada”, de Billy Blanco, com Paulo Marquez.

Depois, Jonas Vieira investiu contra a mídia, que dedica poucas linhas, algumas vezes, nenhuma, aos artistas brasileiras que morrem.

-Morre um artista estrangeiro, e divulgam. - indignou-se.

-Quando eu me for, estou chegando aos 90 anos anos, também não serei lembrado.- concluiu o Paulo Marquez.

-Ano que vem é o centenário do Orlando Silva, não deixarei passar em branco.

-Estarei lá no evento. - garantiu o cantor.

Com o retorno do clima de descontração, Paulo Marquez aludiu que sempre era convocado pelo Fernando Lobo, na TV Educativa, porque a sua voz se ajustava ao baião, à música de carnaval e às canções românticas.

-Qual a música do Orlando Silva de que você mais gosta?

-”Duas Vidas”.

-Uma das minhas paixões. - encantou-se o Jonas Vieira.

Paulo Marquez pôs-se a entoar a canção à capela e ainda esnobou:

-Quer a segunda parte?

E cantaram em dueto. Se o Sérgio Fortes não tivesse machucado o pé teríamos os Três Tenores? Cartas para a redação.

De novo, o Billy Blanco.

-Paulinho... (brasileiro é assim, logo toma intimidade com a nobreza; Didi não abraçou o rei da Suécia na final da Copa de 58?...).

-Paulinho, quando o presidente de Portugal Craveiro Lopes esteve no Brasil, o Billy Blanco compôs uma música.

-Sim, derrubaram o morro de Santo Antonio, fizeram o Aterro, e Radamés Gnattali e Billy Blanco compuseram “Obrigado, Excelência.”

Segue-se outra criação da dupla, “Requerimento”, um protesto bem-humorado contra a sujeira jogada na rua pelo povo.

-Eu gravei em 1958, mas foi composta antes desse ano.

-Por problema de educação, jogam tudo na rua. Essa lei do prefeito só chegou agora. - comentou o Jonas Vieira.

O programa se aproximava do seu término, mas ainda houve tempo para relembrarem Orlando Silva, e cantarem, novamente, à capela, “A Primeira Vez”.

-É muita honra para um pobre Marquez. - agradeceu o convite.

-Gostei do Trocadilho.

E o Rádio Memória se encerrou deixando o sentimento de que as comemorações do centenário do Orlando Silva já começaram.

 

 

 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

2702 - o tornozelo melódico


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4952                                 Data: 22 de  setembro de 2014

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UM NOBRE NO RÁDIO MEMÓRIA

 

Jonas Vieira anunciou a ausência do Sérgio Fortes, nesse último Rádio Memória, devido a um pisão que dera num buraco que lhe torceu o tornozelo. Não investiu furiosamente contra as autoridades que escorcham os contribuintes com impostos e não fazem a sua parte, pelo contrário, Jonas Vieira deu a notícia rindo. Os leitores podem julgar o titular do programa Rádio Memória um discípulo do Marquês de Sade, mas os ouvintes, como nós, sabem que era um riso nervoso.

Isso posto, nossos leitores já imaginam que não tivemos o calendário, mas para o Biscoito Molhado houve sim e vamos a ele.

-Dia 21 de setembro. - empostou o Sérgio Fortes a voz e seguiu adiante.

-Em 1621, o Rei James I da Inglaterra cedeu o Canadá a Alexander Stirling.

E voltou-se para o seu parceiro.

-Naquele tempo, um país parecia um imóvel que passa de um dono para outro.

-Não mudou muito, Sérgio: Cuba é do Fidel Castro, e o Maranhão, do Sarney.

-Em 1792, é declarada a primeira República da França.

-A primeira de uma série de cinco, Sérgio.  Uma não dava certo e os franceses mudavam tudo.

-Se os brasileiros fizessem a mesma coisa, já estaríamos na vigésima república. - acrescentou o Sérgio.

-Em 1863, a Espanha reconhece a independência da Argentina.

E mais uma vez se voltou para o seu parceiro.

-Nossos hermanos levaram mais tempo do que nós para se tornarem independentes.

-Chupa, Maradona. - diria o Jonas Vieira caso fosse um destrambelhado torcedor de futebol.

-Em 1893, foi dirigido pela primeira vez um automóvel à gasolina.

-Você, como colecionador, não poderia deixar essa data em branco. - assinalou o Jonas Vieira.

-Em 1939, Colinescu é assassinado por legionários da Guarda de Ferro, na Romênia.

Pausa.

-Você conheceu Colinescu, Jonas?

-Eu, não, mas o Simon Khoury, certamente, conheceu.

Se lá estivesse, Simon Khoury diria que quem tem Colinescu tem medo, e com razão.

-Nascimentos. - vibrou a voz do Homem-Calendário.

-Em 1411, nascia Ricardo, Duque de York, protagonista da Guerra das Rosas. E eu que pensava que a rosa só brigasse com o cravo.

-Brigaram debaixo de uma sacada, mas depois ficaram amigos. - lembrou o Jonas o cancioneiro infantil.

-Em 1866, nasceu H.G. Wells.

-Grande escritor de ficção científica. - interrompeu o Jonas.

-Em 1926, nascia a Eliana Macedo.

Mais uma vez se voltou para o Jonas.

-Era a namoradinha do Brasil, na época das chanchadas da Atlântida. Vieram, depois, as novelas da Globo e a Regina Duarte tomou o título dela. Quem será hoje a namoradinha do Brasil?

Silêncio. Ouvem-se, depois, risos e a voz do Sérgio Fortes:

-Peter é um gozador... Essa é a madrasta do Brasil.

-De novo, o calendário: em 1935, nascia Norma Bengell.

-É a minha favorita. - declarou o Jonas Vieira.

-Ela protagonizou o primeiro nu frontal do cinema brasileiro, isso em 1962.

-A primeira nudez do cinema foi da Hedy Lamarr, na década de 30, antes de ir para Hollywood. - assinalou o Jonas Vieira.

-No cinema americano, naquele época, um casal não podia aparecer na cama ou num sofá sem que a câmera mostrasse os pés deles no chão.

-Isso mesmo, Sérgio.

-Era uma censura do Código... Creio que é Código Hays, sujeito à averiguação.

-Falecimentos.

Agora, a voz do Homem-Calendário fica em ré menor, a tonalidade do Réquiem de Mozart.

-Em 19 a.C. Virgílio, o poeta latino.

Era o poeta dos poetas que, por mais de 15 séculos, exercia influência na poesia, como em “Os Lusíadas”, de Camões.

-Lembra-se, Jonas, que, no último domingo, eu citei a data da morte do Dante Alighieri? Na Divina Comédia, ele escreveu que foi conduzido por Virgílio.

-Sim, mas na hora de entrar no paraíso, ele deixa o Virgílio pra lá.

-1860, morria Arthur Schopenhauer, o filósofo do pessimismo.

-Um machista, Sérgio, dizia que as mulheres têm os cabelos longos e a inteligência curta.

-Ele influenciou, com o seu pensamento, Wagner, quando compôs “Tristão e Isolda”. - registou o Sérgio Fortes.

-Em 1998, morreu a velocista americana Florence Griffith-Joyner.

E de novo voltou-se para o Jonas.

-Ela pintava as unhas, passava batom nos lábios. Era muito bonita, Sérgio,  bateu o recorde dos 100 e 200 metros, que ainda persistem.

-Viveu só 34 anos. - lamentou.

-Morreu de tanto correr dopada. Está dizendo o Peter. - disse o Sérgio Fortes antes de prosseguir.

-Hoje é o Dia da Árvore.

-Deveria ser celebrado todos os dias. - enfatizou o titular do programa.

-Também é o dia do... Não me lembro, Jonas.

-Eu também não, Sérgio...

-Ah, sim: hoje, é o Dia Mundial de Combate Mundial ao Alzheimer. - lembraram.

-O santo do dia é São Mateus.

-Ele é muito importante, é um dos evangelistas. - salientou o Jonas Vieira.

-É melhor procurarmos outros protetores porque São Mateus é muito solicitado. - aduziu o Sérgio Fortes.

Encerrados o calendário e a participação do Sérgio Fortes, passemos para o convidado do programa.

-Trazemos hoje uma das minhas maiores admirações, Paulo Marquez.

E o convidado do Sérgio Fortes emitiu um sonoro bom dia, indício de que a sua voz ainda estava em forma.

Jonas Vieira foi peremptório.

-Vamos começar com música: de Valdemar Gomes e Marino Pinto, “Mais um drama da vida”; do genial Wilson Batista, “A Mulher que eu gosto”; e do Geraldo Almeida e Jorge de Castro, “Você está sumindo.”

Apesar da quantidade, a duração das músicas não foi longa.

-Você é mineiro?

-De Uberaba.

-Vai votar em quem?

Não, Jonas Vieira não fez a pergunta acima, ainda não foi contagiado pelo clima eleitoral como nós do Biscoito Molhado.

Na verdade, ele indagou do Paulo Marquez sobre o ano em que ele veio para a Capital Federal. Veio em 1955, poucos meses antes de o Juscelino Kubitschek vir de Minas Gerais para cá. (Como escrevemos no parágrafo acima, estamos tomados pela política).

-Seu nome de batismo é José; por que Paulo? - foi  pergunta subsequente.

-Porque José não era um nome sonoro para o rádio, só existia um, o mexicano José Mojica. Então, o diretor artístico da Rádio Guarany, ainda em Minas, me batizou de Paulo.

-Por que Marquez?

-Este é o meu sobrenome mesmo. 

Nada a ver com o Marquês de Sade, lembrado quando da torção do pé do Sérgio Fortes. Esse, que estava no Rádio Memória, era de boa índole.

A próxima atração musical encerrou essa primeira sessão de perguntas e respostas.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

2701 - pintores e fonemas


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4951                                    Data: 20 de  setembro de 2014

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188ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

Fazia tanto tempo que eu não pegava o táxi do 026 (deve ser outro número, mas vai este mesmo) que lhe disse o meu destino: Rua Modigliani.

-Eu sei; você mora onde existem tantos nomes franceses.

-Isso mesmo.

-A principal rua de lá é a “Renoar” (Renoir).

Fiquei estupefato, porque ele pronunciou o nome corretamente e me congratulei com ele.

-Quase todo o mundo diz Renoir como se escreve, você é dos poucos que pronunciam corretamente.

-”Renoar”. - repetiu inflado pelos elogios.

-Estudei francês, no antigo ginásio e meus professores exigiam a pronúncia certa, se não, a nota era zero. Assim, esses erros me ferem os ouvidos. Acredito que não se trata de pedantismo da minha parte.

-Eu também estudei francês. Nós tínhamos de optar entre o francês e o inglês. - disse-me ele.

-Não; éramos obrigados, no meu colégio, a estudar as duas línguas.

Não se sentiu apequenado com essa observação e bradou que, no nosso tempo, o ensino era bem melhor do que o de hoje.

-Só passava de ano quem soubesse mesmo a matéria. - frisou.

-Então, vamos para a praça que o pessoal chama de Mané, falei, enquanto o seu táxi ainda trafegava pela rua Domingo de Magalhães.

-Ou, então, falam Manete (abriu o primeiro e fechou o segundo e).

-Isso mesmo. - concordei.

-Escreve-se “Manete”, mas se pronuncia “Monê”.

Ele estava indo tão bem... - pensei sem me manifestar. Depois, intentei corrigi-lo sem melindrá-lo.

-Não; Manet é um, Monet é outro.

-Então, eles eram irmãos. - concluiu.

Piora cada vez mais...

-Não; um é Edouard Manet e o outro, Claude Monet.

Como, pela sua aparência, não se mostrava convencido, passei para outros pintores e escultores próximos da minha rua.

-Eles não aprenderam a língua francesa como nós, por isso, erram tanto. - gabou-se.

E fez um acréscimo:

-Van Gogh eles falam direitinho. (*)

-Esse era holandês. Em 1990, colocaram uma placa comemorativa do centenário de morte do pintor. Foram até lá autoridades da prefeitura e alguns repórteres.

E voltei-me para ele:

-Lembra-se disso?

Balançou afirmativamente a cabeça, mas não me convenceu. Prossegui:

-Li, depois, no jornal, que, na ocasião, os pedestres que por lá passavam, eram abordados com perguntas sobre Van Gogh. Ninguém soube responder quem foi Van Gogh.

-Devem ter dito que ele foi um jogador de futebol.

Soltou uma estrondosa gargalhada, divertindo-se com a própria piada, enquanto eu saltava na Rua Modigliani.

 

 A prefeitura multa se a gente joga lixo no chão, mas toda essa porcaria de propaganda eleitoral, que suja tudo, pode. - queixou-se o 151.

-Há galhardetes de candidatos colocados nos postes que tiram a visão tanto do motorista quanto a do pedestre. - solidarizei-me com a indignação dele.

-Na esquina da Rua Cachambi com a Avenida Suburbana, colocaram um galhardete de cada lado. Um desrespeito.

-Eu já vi; para você atravessar a rua, com visão completa do tráfego, tem de se afastar da faixa de pedestre.

-As pessoas são obrigadas a cometer uma infração para passar de um lado para o outro da rua. - seguiram-se suas palavras às minhas.

-Recorda-se que fui votar, uma vez, levado pelo seu táxi?

Como a sua expressão era dubitativa, fui mais minucioso.

-Eu peguei seu táxi de manhã. Você seguiu pela Suburbana, fez o contorno pelo viaduto Cristóvão Colombo, em Pilares e passou para o outro lado da avenida onde fica a rua da minha seção eleitoral.

-Rua Henrique Scheidt. - bradou.

Eu tinha de ser mais minucioso.

-Não; uma rua com uma subida tão íngreme que exige fôlego de maratonista para se subir a pé. Votei num colégio perto de uma praça. Eram tão poucos os eleitores, que você disse que me esperaria e eu não demorei mais do que dez minutos.

Então, ele se lembrou, ainda assim, sacrificava a memória para saber o nome exato dessa rua. Desistiu, e foi em frente:

-Você vota lá, e eu voto em frente à sua casa no Colégio Manoel Bomfim.

-Eu votava no lado da minha casa, na LBA.

-LBV. - cortou-me.

-Não; LBA, Legião Brasileira de Assistência, que foi fechada depois das falcatruas da mulher do presidente Collor. Hoje, é chamada de Clube da Amizade, depois de ter sido o quartel-general do Biliu.

-Isso mesmo! - exclamou, contrariado com o seu esquecimento.

-Houve um cadastramento eleitoral e me jogaram nessa rua distante; acomodei-me e não pedi a transferência para o Manoel Bomfim, onde fiz o curso primário.

-Como você disse, são tão poucas pessoas na sua zona eleitoral.

-Uma vez, apenas, enfrentei uma fila enorme, naquela eleição em que se candidataram o Mário Covas, o Ulisses Guimarães, o Aureliano Chaves, o Brizola, o Lula, o Collor, o Eneias, o Marronzinho... mais de vinte candidatos.

-Havia mais candidatos do que eleitores. - não perdeu a piada.

-Nessa eleição, havia uma grande quantidade de idosos, parecia até zona eleitoral de Copacabana. Acredito que quase todos já partiram, por isso, não enfrento mais filas.

-Certamente. - concordou.

-Esses senhores repetiam o bordão jocoso: “Meu nome É Eneias”,

-Com isso, ele recebeu mais voto do que o Ulisses Guimarães. - assinalou.

-Um bordão de programa humorístico derrotou a “Constituinte Cidadã”, do Ulisses Guimarães. - comentei.

-O brasileiro vota muito, muito mal.- concluiu com ceticismo.

-O diabo, desta vez, é o calendário eleitoral. Temos de votar para presidente, senador, governador, deputado federal e estadual.

E espalmei a mão:

-Cinco.

-Não vou demorar mais de dez segundos:

-Vai anular o voto?- deduzi.

-Menos o da presidência da República.

Em seguida, encarou-me desoladamente e disse:

-É duro ter de votar na Marina. Mas qual é o jeito?

Como o táxi já estava parado na Rua Modigliani, não tive tempo de lhe mostrar que a coisa não era tão má assim.

 

No táxi do 040, o assunto era o mesmo.

-O 184 é mesmo candidato? Ele me disse que vai erradicar todas as favelas do Rio de Janeiro, construindo prédios de 100 andares para colocar todos os desalojados lá.

Ele sorriu com o seu jeito manso e me disse que garantiu ao 184que podia contar com o seu voto.

-Vou votar nele nada. - confessou-me.

-Parece-me que a pretensão dele é a Gaiola de Ouro, a Câmara Municipal.

-É isso mesmo, ele já se candidatou uma vez. - informou-me.

A conversa seguiu com o assunto político por uma boa parte do trajeto, Já estávamos na Rua São Gabriel quando falamos das entrevistas da TV Globo com os candidatos.

-A TV Globo coloca os entrevistados contra a parede. - comentou.

-Aquilo é mais um interrogatório do que uma sabatina. Insistiram com o aeroporto do Aécio, com o avião do Eduardo Campos, com a dança do Sérgio Cabral com lenço na cabeça em Paris...

-A Marina teve de responder pelo Eduardo Campos, o Pezão pelo Sérgio Cabral... comentou.

-Parece que esses sabatinadores ou inquisidores trabalham para uma empresa que é uma vestal, um exemplo de moralidade.  

-Caramba, a Globo se envolve em tantas sujeiras. - concordou comigo.

-Não vou votar no Garotinho, mas vibrei quando ele saiu da defensiva e se referiu às estarrecedoras acusações feitas à Globo na Justiça com envolvimento de laranjas.

-Ele fez muito bem; até a Dilma baixou a crista quando foi no Jornal Nacional.

-Garotinho aprendeu com o Brizola a reagir às Organizações Globo. - disse-lhe, enquanto saltava na Modigliani. 

 

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO suspeita que a pronúncia tenha sido “vangôgui” quando o certo é “vangorhr”. Apenas belgas, holandeses e cariocas têm a habilidade lingual (a anatômica mesmo) para usarem e abusarem dos fonemas guturais, mas é factível supor que o populacho da Praça Mané não exerça essa habilidade.

 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

2700 - o terceiro round


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4950                                    Data: 19 de  setembro de 2014

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ANDREA LEMBRA MOACIR SANTOS NO RÁDIO MEMÓRIA

PARTE III

        

-Rádio Roquette Pinto. 94.1 Programa Rádio Memória.

Evidentemente, não foi o Sérgio Fortes que disse isso, pois ele sempre esquece.

Recomeçava, assim, o programa, depois das irritantes propagandas eleitorais obrigatórias. Necessitávamos, então, de uma boa música para desintoxicar o espírito, mas a flauta da Andrea Ernest Dias não soou logo, porque o Simon Khoury deu início a uma observação.

-Tudo o que essa moça grava é de suma importância, como esse lundu do Calado. Ela grava Cachimbinho, Jacob do Bandolim, o que há de melhor na música popular brasileira, mas não é tocado.

-Não se toca, Simon, porque o dinheiro é que manda.- interveio o Jonas Vieira - o mercado se guia pelo dinheiro.

E continuou na sua indignação:

-Esse programa “Fantástico” gastou três domingos com esse negócio rural...

-Música sertaneja. - aparteou o Sérgio Fortes.

A palavra voltou para o titular do Rádio Memória:

-Isso, tomando um espaço de vinte minutos, claro que o horário não foi de graça. Tem dinheiro, aparece, não tem, não passa nem na porta, mesmo que tenha o talento de um Frank Sinatra, de um Orlando Silva, ou de quem for.

Como falamos nas “irritantes propagandas eleitorais”, lembramos que os candidatos procuram aparecer ao lado de artistas com muita popularidade e pouca arte.

Mais uma pergunta do Simon Khoury à convidada:

-Andrea, você gravou “Gostosinho”, do Jacob do Bandolim. O “Apanhei-te Cavaquinho” também é um desafio para o flautista?

Ela respondeu que sim, mas que é uma música tão bem construída que se adapta à técnica da flauta.

-Nazareth era um gênio do piano e é muito bom tocar na flauta peças que foram escritas originalmente para esse instrumento. - acentuou ela.

-Agora, “Gostosinho”. - anunciou o Jonas Vieira.

Apesar de o Simon ter dito, minutos antes, que é o “Crocante Inesquecível”, não ousou concorrer com a composição do Jacob do Bandolim, que reinou absoluta com Andrea na flauta, Cristóvão Bastos no piano, Bernardo Aguiar na percussão e João Lyra no violão.

A introdução, seguida de uma pergunta, partiu, dessa vez, do Jonas Vieira.

-Temos grandes flautistas na música popular brasileira: Joaquim Calado, Pixinguinha... Há ainda dois por quem tenho grande admiração: Benedito Lacerda e Altamiro Carrilho... e mais o Dante Santoro, lembro-me agora.  Andrea, qual desses que eu mencionei, tirando o Calado e o Pixinguinha, evidentemente, é o da sua preferência?

-Ou outro flautista que você queira acrescentar. - aditou o Sérgio Fortes.

-Eu acrescentaria o Copinha, um estilista.

-Sim, o Copinha. - penitenciaram-se todos pelo esquecimento.

Algum ouvinte desavisado, admirador da dupla sertaneja Cacique & Pajé e coisas parecidas, que sintonizasse a Roquette Pinto naquele momento, julgaria – imaginamos – que se tratasse da Copa das Copas que, depois da derrota do Brasil por 7 a 1 pela Alemanha, se transformou, para os brasileiros, em Copinha; não, tratava-se agora do grande instrumentista e compositor Nicolino Copia.

-Ele era um estilista, todos os citados são estilistas do instrumento. Eu tenho forte admiração por esse tipo de músico.

-Copinha também era saxofonista?

-E clarinetista. - respondeu ela ao Jonas Vieira.

-Paulinho da Viola tinha grande admiração pelo Copinha. - assinalou o Jonas Vieira.

-Ele gravou todos os discos do Paulinho. - ressaltou a flautista.

-Sabem que o Copinha compôs um choro para mim?

Não, ninguém sabia que o filho da introdutora das frequências moduladas no rádio do Brasil inspirou o compositor. Assim, Simon Khoury contou mais um causo. Levado pelo Sebastião Tapajós, foi visitar o Copinha, que se encontrava doente. Diferentemente da maioria das pessoas, chegou ao enfermo alegremente e lhe disse:

-Copinha, eu só falto beijar os seus pés, vem a Margarida Autran, elogia o seu show e você faz uma valsa para ela.

Contou ele que o Copinha riu do seu ciúme e pegou uma música que transcreveu para o piano porque estava proibido de tocar flauta. Era o “Choro para o Khoury”; uma surpresa geral e emocionante que até citava a sua cidade natal, Cambuci. 

Vida que segue.

-Nesse meu disco, tem uma valsa do Copinha, “Reconciliação”...

-Vamos ouvir agora ou depois?... - cortou o Simon Khoury.

Não se ouviu agora, pois lhe foi cobrada a resposta que não foi dada.

-Eu respondi, cada um deles trouxe alguma coisa para mim. Peguei coisas do Altamiro...

-Algum deles exerceu maior influência? - interromperam-na.

-Somos influenciados todos os dias. - escapou daqueles que exigiam que ela fosse menos política.

-Você gostaria de tocar como quem? - insistiu o Jonas Vieira.

-Como tanta gente... Gosto da desenvoltura do Copinha, da técnica do Altamiro e do Benedito.

Jonas Vieira foi incisivo:

-O meu favorito é o Benedito Lacerda.

-Os choros do Benedito com as músicas de Beethoven, de Vivaldi são maravilhosos.

-E não deixou de ser ele, deixou a sua marca. - seguiram-se as palavras da Andrea às do Simon Khoury.

Jonas Vieira voltou à sua escolha:

-Se o Altamiro estivesse vivo, diria: “Poxa, Altamiro, me traindo!”... Mas o próprio Altamiro dizia que era continuador do Benedito Lacerda.

E voltou-se para a convidada do programa?

-E agora?

-”Reconciliação”.

-Nicolino Copia. Grande Copinha! - extasiou-se o Jonas Vieira com a valsa.

Andrea citou o arranjo de Cristóvão Bastos e mais os músicos que tocaram com ela (os mesmos do “Gostosinho), e aludiu ao trabalho que fizeram juntos no “Pife Moderno”, dirigido pelo Carlos Malta.

O titular do programa pediu um espaço do tempo com um tom de voz dissonante que quebrava a descontração reinante.

-Um registro desagradável: a morte do meu amigo e vizinho Miltinho. Doente há quatro anos de enfisema, teve uma morte terrível como o Roberto Paiva. Eu dedicarei a ele, oportunamente, um programa.

E prosseguiu.

-Lamento não ter conseguido escrever a biografia dele, porque sentia medo de morrer logo em seguida.

Sérgio Fortes interferiu para falar de uma possível biografia da Fernando Montenegro e de pessoas que advogam que as homenagens devem ser prestadas enquanto a pessoa estiver viva.

Simon Khoury se referiu a uma entrevista que fez “espiritualmente” com a Henriette Morineau e se voltou para a flautista.

-Andrea, a sensibilidade você tem.  A técnica... Você tem um concerto para o público, você fica preocupada?... porque é uma missão.

-Vou me preocupar até o último dia.

E Simon Khoury contou um causo relacionado à sua pergunta.

-Paulo Autran, um monstro sagrado do teatro, ficava irreconhecível antes de pisar o palco; parecia um franguinho, um pintinho. Ele me olhava e não me via. “Você, um monstro sagrado do teatro, vai estrear amanhã e está assim.” E ele me disse: “Vou usar um termo chulo: quem tem cu tem medo.” Isso na estreia, porque a técnica ele tinha, depois do segundo dia, vinha a emoção , e Paulo Autran arrebentava.

Nesse instante, Sérgio Fortes interveio.

-Eu acho, Simon, que isso é proporcional à grandeza do artista. Uma vez, o meu pai foi cantar uma matinê no Teatro Municipal que era às 5 horas, ele chegou 1 hora da tarde. Alguém falou para ele de um barítono, cuja carreira correu paralelamente com a do meu pai, e lhe perguntou por que, com 50 anos de carreira, chegava tão cedo, enquanto esse barítono aparecia 10 minutos antes do espetáculo. Resposta do meu pai: “Ele não se chama Paulo Fortes”.

-E agora? - pediu o Jonas Vieira mais música à sua convidada.

-Eu sugiro Tom Jobim. - entrou intempestivamente a voz do Jonas Vieira.

-Claro. Nessa faixa, que você já escolheu, Tom Jobim homenageia dois ídolos dele, dois ícones: um compositor e um jogador de futebol, Radamés Gnattali e Pelé.

-Vamos ouvir antes que o programa acabe. - interrompeu-a o Simon Khoury.

-”Homenagem ao Pelé”. - anunciou o Sérgio Fortes.

O titular do programa lamentou ter sacrificado a “Homenagem ao Pelé” no meio da gravação, e perguntou à Andrea onde se encontra seus discos.

-Nas melhores lojas, entre elas a Arlequim, a Livraria da Travessa, a Livraria Folha Seca, que foi a editora do meu livro “Moacir Santos ou os caminhos de um músico brasileiro.”

E o programa chegou ao final sem o “demorado abraço”, porque já tinha sido dado no seu início.