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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

2268 - a marca da maldade


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4068                             Data: 20  de novembro de 2012
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73ª VISITA À MINHA CASA
                                                3ª PARTE    

-Houve o divórcio da Rita Hayworth e você, Orson Welles, continuou mal visto pela indústria de Hollywood, como diretor.
-Aceitavam-me ainda como ator. Em 1948, eu atuei no filme O Terceiro Homem dirigido por Oliver Reed, com direito a acrescentar alguma coisa na criação. Atuei no papel do cínico Harry Lime.
-O filme é para se rever e a sua frase se destacou: “A Itália viveu 30 anos sob os Bórgias e tiveram guerras, terror, assassinatos e derramamento de sangue, mas nos deram Michelangelo, Da Vinci, a Renascença. Na Suíça, eles têm amor fraterno e 500 anos de democracia e paz, e o que mais produziram: o relógio cuco.”
-Rodei, como diretor, Othelo, porém, tive de contar com a compreensão de todos os participantes, pois o dinheiro era escasso e, por isso, a filmagem durou anos, de 1949 a 1952.
-Mas com o seu filme, exibido na Festival de Cannes, você obteve a Palma de Ouro.
-Os europeus, quando vão ao cinema, não visam apenas o entretenimento, como os americanos, eles são mais receptivos à arte. - comparou.
-Você atuou em alguns filmes medíocres, depois, até que dirigiu Monsieur Arkadin.
-O produtor francês Louis Doliver me admirava e quando o roteiro lhe chegou às mãos, conseguiu convencer o estúdio Filmrosa a financiar o meu projeto.
-Assisti a essa criação, no cinema, em 1985, na homenagem pela sua morte, como já me referi. O título era Monsieur Arkadin, depois, mudaram aqui, no Brasil, para Grilhões do Passado.
-Fiz seis programas para a BBC TV em que havia ilustrações com desenhos meus. Para a televisão, atuei em Moby Dick, mas não no papel da baleia.  Dei início a filmagem de Don Quixote, que foi mais um dos meus filmes inacabados.
-Reza a lenda que o ator Charlton Heston, sucesso assegurado de bilheteria, sonhava em atuar sob a sua direção. Assim, abordou o chefão da Universal, em 1957, para que financiasse um filme.
-E eu filmei Touch of Evil,
-Aqui, no Brasil, chamou-se A Marca da Maldade.
-Quem pensou que eu me enquadraria aos padrões de Hollywood, enganou-se rotundamente.
-As tomadas de câmera no início de Touch of Evil, deixaram os estudiosos de cinema babando de admiração. - assinalei.
-Charlton Heston atuou no papel do policial Vargas.
Tirei um livro da estante e disse:
-Eis o que um cinéfilo escreveu sobre A Marca da Maldade.
E li:
-”Neste filme, as imagens desse mago da luz e da sombra, chamado Russel Mety, mergulham a objetiva na fronteira maniqueísta que Welles borrou mais do que ninguém, e esculpe imagens inesquecíveis e metafóricas da corrupção institucionalizada que macula o painel da querida América. O filme, terminado, leva os produtores àquela exasperação, desprezo e baixa autoestima que sentem os autores de crimes passionais. E como estrangular Welles é inútil, passam horas à frente da moviola tentando salvar o filme, isto é, a imagem da América. Tarefa impossível: como o material não o permite, só resta lançar o filme. A maioria silenciosa exige que, no mínimo, Welles sirva de alimento aos tubarões; e assim foi feito: ele jamais voltaria a dirigir em Hollywood.”
A sua expressão era enigmática, enquanto eu lia, quando terminei fiz-lhe a pergunta:
-E o que fez em seguida.
-Além de papéis em filmes, um deles do meu grande amigo John Houston, rodado na África, trabalhei na televisão. Na Itália, eu até aceitei realizar um filme sobre a Gina Lolobrigida para a televisão, com entrevistas, fotos e desenhos de Steinberg. Eu precisava de dinheiro para retomar as filmagens do meu Dom Quixote.
-Em 1962, você mergulhou no absurdo kafkiano.
-Surgiu, então, a oportunidade de eu dirigir O Processo.
-E o produtor?
-O mesmo de Touch of Evil, Albert Zugsmith, por isso, penso que o rapaz do texto que você leu exagerou um pouco.
E prosseguiu:
-Kafka é um dos meus autores preferidos. Trabalhei dia e noite no roteiro e guardei para mim o papel de advogado.
-Onde ocorreu a filmagem, Welles?
-Em Paris e Zagreb, de março a junho de 1962.
-O romance de Franz Kafka era uma mina de ouro para você explorar.
-Foi uma espécie de palco onde pude expressar a repulsa que me causava um mundo em que se é executado sem se saber de que culpa o Estado o acusa.
-Um mundo que não terá culpados suficientes para justificar os tentáculos da justiça e toda a engrenagem burocrática que os mantém em movimento. Resumindo: Kafka denunciou a desumanização do homem pela burocracia.
-A crítica gostou da fita. - resumiu.
-O público não poderia entender como alguém, no caso Joseph K., foi condenado por um crime que não sabe qual é. A crítica, no entanto, gostou dos recursos expressionistas e, em quase sua totalidade, aplaudiu. Era impossível, até então, para todos, que alguém transpusesse para o cinema o universo de Franz Kafka.
-Devemos tudo a Max Brod, amigo do escritor, que não lançou ao fogo os seus papéis, conforme pedido dele no leito de morte.
-Lembra-se dos participantes do filme?
-O cenário e os diálogos eram da minha lavra. A fotografia coube a Edmond Richard. Anthony Perkins viveu o papel de Joseph K. e eu, como já foi dito, de advogado. Atuaram Jeanne Moreau, Madeleine Robinson, Elza Martinelli, Romy Schneider, Suzane Flon, Akim Tamiroff, Arnold Foa, Fernand Ledoux, Katina Paxinou.
-Os anos se seguiram e você continuou a trabalhar como ator, como em Gente Muito Importante, As Aventuras de Marco Polo...
-Em 1966, dirigi e fiz o roteiro do Falstaff, baseado na peça de Shakespeare. A filmagem ocorreu na Espanha.
-Infelizmente, não colocaram na mostra dos seus filmes a que me referi, em 1985.
-E continuei com o cinema na mente; realizei filmes curtos, inacabados, para a televisão. Levava a minha equipe por toda Europa Yugoslávia, Dalmácia...
-Em 1976, em cerimônia que contou com Joseph Cotten, Charlton Heston, Ingrid Bergman, Janet Leigh, Frank Sinatra e mais de 1000 pessoas, você recebeu o Grande Prêmio do “American Film Institute”, distinção só outorgada ao diretor John Ford e ao ator James Cagney.
-Recordo-me bem.
-Em 1983, você recebeu o prêmio “Luchino Visconti” pela sua contribuição à evolução da linguagem do cinema.
-Dois anos antes da minha morte.
-Você se sentiu recompensado?
-Prefiro estar filmando a fazer qualquer outra coisa. Fico estonteado com meu amor ao cinema. Não em relação aos filmes, que nem gosto de ver. Eu adoro mesmo é fazer filmes.
E com essas palavras, volatizou-se à minha frente.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

2267 - É tudo verdade


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4067                             Data: 19  de novembro de 2012
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73ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE

-Conhecido em todos os Estados Unidos depois de criar mais um ilusionismo, a invasão da terra pelos marcianos...
-O que eu fazia desde os 4 anos de idade.- interrompeu-me.
-Famoso, Hollywood o procurou e foi celebrado um contrato sem precedentes: o direito de fazer um filme por ano e de escolher assuntos, técnicos e elenco; 150 mil dólares de adiantamento, garantia de 25% da receita bruta e de total independência para trabalhar. Surgiu, assim, O Cidadão Kane. - entusiasmei-me.
-Falar desse filme me tomará muito tempo e eu não tenho toda a eternidade. - disse, enquanto expressava ironia no rosto.
-Deixe-me apenas ler o trecho de um estudioso de cinema.
Saquei um livro da estante, e li:
-Cidadão Kane é, de longe, o filme mais dissecado da história do cinema. Incontáveis ensaios escritos a seu respeito inibem qualquer pretensão de abordá-lo com originalidade, só restando repetir o que já foi dito: sua estrutura elíptica aliada à atmosfera barroca, à montagem enxuta e à descoberta de que os objetivos existentes na época poderiam proporcionar a profundidade de campo, até então nunca vista, fizeram de Kane o filme mais perturbador de todos os tempos.
-Porque foi realizada uma obra de arte, o faturamento não foi elevado, e você não enriqueceu com os 25% da receita.
-Não penso em meu trabalho nestes termos. É tão reles trabalhar com o interesse de prosperidade quanto trabalhar com a cobiça do dinheiro.
-Em seguida, você escreve o roteiro de Soberba, baseado no romance de Booth Tarkington, e parte para a filmagem.
-Consegui uma boa equipe. A música esta a cargo de Bernard Herrmann. Houve algum compositor de cinema que o superasse?
Era uma pergunta retórica, pois prosseguiu sem tomar fôlego:
-Fotografia de Stanley Cortez, montagem de Robert Wise. Intérpretes: Joseph Cotten, Anne Baxter, Agnes Morehead, Tim Holt, Everett Sloane, Dolores Costelo.
-E filmou quilômetros de fotogramas.
-Faltava apenas fazer a montagem, quando fui convocado, naquele tempo de guerra, a realizar um filme no Brasil.
-Tratava-se da política de Boa Vizinhança do presidente Roosevelt. -disse.
-Vim para realizar  It´s All True, “É Tudo Verdade”. Participei até de uma reunião com o presidente Getúlio Vargas.
-Sei que a sua intenção era só artística, e não política, quando veio ao Brasil.
-Meu projeto para o filme constava de três episódios: a história do samba, rodado no Rio de Janeiro; a religiosidade do povo, rodado na Semana Santa, em Ouro Preto; e a saga dos jangadeiros, rodado do norte até o Rio de Janeiro, com a viagem do Jacaré.
-Você, na época, namorava a atriz Rita Moreno, que permaneceu nos Estados Unidos. Ela lhe comunicou de lá que o compromisso estava desfeito.
-Fiquei furioso; quebrei o que estava por perto no meu quarto do Copacabana Palace e atirei peças do mobiliário pela janela, que caíram na piscina.
-Você não repetia a reação do Cidadão Kane, quando foi abandonado pela Susan Alexander?
-Eu não estava só furioso, também estava bêbado.
-Você filmou Grande Otelo, Herivelto Martins, os sambistas e as favelas, além da morte do Jacaré, tragado pelas ondas do mar, depois de apresentar as reivindicações dos jangadeiros ao governo getulista. Há quem diga que, nas filmagens do “É Tudo Verdade” se encontra o neorrealismo que os italianos fariam em seguida, no entanto, a RKO relegou três meses de trabalho à poeira dos arquivos; o filme não chegou às telas.
 -Filmei favelas, gente pobre e isso não agradou o Departamento de Imprensa e Propaganda do governo brasileiro, que protestou, queria que eu mostrasse um Brasil cor de rosa, como se eu fosse um artista engajado.
-Ao mesmo tempo, Orson Welles, saíram os seus amigos da direção da RKO e entrou gente que só via cifrões no horizonte e, consequentemente, nutriam hostilidade por você.
-Eles não esperaram a minha volta para a montagem da Soberba, e fizeram uma lambança.
-Cortaram mais de meia hora de fita, o seu filme foi estupidamente mutilado.  Transformaram uma grande obra em mediana.
-1942 não foi um bom ano para mim: a RKO rompeu o contrato comigo; Soberba foi estragado, e It´is All True foi relegado aos ratos dos porões de Hollywood. Parecia que faziam guerra também a mim.
-A partir de então subiram as barreiras para impedir que você voltasse a direção de uma película.
-Atuei como ator, no filme Jane Eyre, no ano seguinte, 1943, escrevi artigos nos jornais, e me casei com Rita Hayworth.
-Mas ainda era repelido pela indústria cinematográfica.
-Sim, a RKO havia denunciado o meu contrato com tamanho escândalo, que eu reagi, com isso, sofri por anos uma espécie de assédio moral. Sempre que ia procurava um produtor, eles me diziam que eu era um homem de teatro, que lá era o meu lugar.
-E você amava o cinema.
-A partir de certo instante de minha vida apaixonei-me irremediavelmente pelo cinema; e jamais consegui vencer essa paixão.
-Em 1946, o produtor Sam Spiegel o chamou para dirigir e escrever um roteiro com John Houston e Anthony Veiller baseado em uma novela de Victor Trivas, e surgiu O Estranho.
-Não foi êxito de bilheteria, além de não se encontrar entre as melhores coisas que fiz.
-Reza a lenda que, no ano seguinte, 1947, passando por uma cabina telefônica, você resolveu ligar para Harry Cohn, o todo-poderoso, inventando que tinha um projeto barato, 50 mil dólares, com sucesso de público garantido. Para sua surpresa, ele aceitou, surpreendendo-o, e perguntou qual seria a história. Você pegou, então, uma revista policial esquecida na cabine e leu o título: “A Dama de Xangai”, uma novela de Sherwood King.
 -Não foi exatamente isso; o fato de a minha esposa, Rita Hayworth representar a protagonista foi fundamental para eles investirem na minha ideia.
-Nessa mesma época, você se entrevistou com Charles Chaplin, contou-lhe a história de “Monsieur Verdoux”, que não podia colocar em celulóides por falta de produtores, ele fez o filme e omitiu seu nome.
-É verdade, entrei com um processo contra ele, venci, e o Monsieur Verdoux vai às telas com os dizeres: “baseado numa ideia de Orson Welles.” Quase cometi pecado parecido, retirei o nome do. Herman J. Mankiewicz, que escreveu o roteiro do Cidadão Kane comigo, porque vivia bêbado, mas voltei atrás, pois sem as valiosas informações que ele me dera eu não poderia ir muito adiante.
-Mas falemos de A Dama de Xangai, Welles, é uma obra-prima do “film noir.”
-Mostrei a maior diva de Hollywood, na época, com o personagem Elsa Bannister, de cabelo curto, manipulando as pessoas, enredando-se num jogo de aparências e dissimulações, com o objetivo de aumentar sua conta bancária; matando, se necessário fosse. Ora, os produtores de Hollywood ficaram de cabelo em pé, porque a Rita Hayworth não estava destinada a representar vilãs, o que deslustraria a sua imagem.
-A cena final dos espelhos, no bairro chinês, é um achado de gênio. - vibrei.
-A Dama de Xangai não me ajudou muito, porque fui de encontro às razões mercadológicas dos barões de Hollywood. - declarou Orson Welles.





quarta-feira, 28 de novembro de 2012

2266 - Wells & Welles


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4066                             Data: 18  de novembro de 2012
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73ª VISITA À MINHA CASA

-Com os meus 130 quilos, custei a me materializar. Se eu mantivesse o meu corpo de galã...
Voltei-me para onde vinha essa voz e me  assombrei.
-Kane... Cidadão Kane.
-Fui vários personagens, não um só. - ralhou comigo o Orson Welles.
-Sei disso, por ocasião da sua morte, em 1985, muitos dos seus filmes entraram em cartaz nos cinemas e eu vi praticamente todos.
-É o mercantilismo das distribuidoras cinematográficas; filmes antigos ficam restritos às televisões e cinematecas, como os carros clássicos do passado ficam restritos exclusivamente aos colecionadores.
-Então, Orson Welles, depois de assistir ao Cidadão Kane umas cinco ou seis vezes na televisão e em fita VHS, tive a oportunidade de apreciar a sua obra-prima no cinema, em 1985.  Isso aconteceu no Estúdio-Catete; depois do filme, fui ao banheiro e me surpreendi com a presença do líder estudantil, que lutou contra a ditadura militar brasileira, Vladimir Palmeira, urinando no mictório do lado do meu. - tagarelei.
-Não posso dizer que sou marxista, pois coexistem em mim todas as contradições do mundo.
-Vladimir Palmeira não era também marxista; eu o vi, recentemente, numa entrevista na TV Câmara afirmando que o enviaram para Cuba, mas ele queria ir mesmo era para Paris.
-Quando eu e Hollywood nos separamos por incompatibilidade de gênio, fiz as malas rumo a Paris, embora eu tenha passado um bom tempo em grande parte deste mundo.
-Welles, você foi um menino-prodígio, com dois anos de idade ganhou um teatro de marionetes que estimulou a sua imaginação, e ainda de calças curtas, já simulava encenações de peças shakespearianas.
-Aprendi a ler com Shakespeare; as suas peças foram o meu abecedário. Shakespeare é sempre mal ensinado, no meu caso, foi cedo demais.  Comecei a aprender Shakespeare, de fato. Quando tive de desempenhar um papel, aos dezesseis anos, como ator principal na Irlanda.
-Assisti também no cinema, nessa mostra de 1985, o seu Macbeth e o seu Othelo.
-Quando filmei Shakespeare para as telas dos cinemas, mudei o texto, modifiquei alguns versos aqui e acolá. É uma antiga tradição teatral, embora não seja tão audacioso como mudar Racine ou Corneille na “Comédie Française”. Com Shakespeare isso é mais fácil e as suas peças são uma verdadeira mina, pois de cada uma podem ser feitos cinco ou seis filmes diferentes.
-No seu Macbeth, filmado num galpão abandonado dos estúdios da Republic, você mostrou deliberadamente cenários artificiais, o que Fellini copiaria 39 anos depois. Muitos críticos consideraram a melhor transposição de Shakespeare para as telas.
-Isso foi em 1947; escolhi o elenco em uma semana e filmei tudo em menos de 30 dias.
-Voltando à sua infância, Welles, você, com 4 anos de idade, reuniu os adultos ao ser redor, e realizou um espetáculo de mágica, provocando gritos de assombro, depois, ria com a reação das pessoas.
-O ilusionismo me arrebatava desde menino.
-E a habilidade de prestidigitador sempre o acompanhou.
-Até o dia em que morri.
-Welles, a sua grande paixão foi o teatro?
-Sim; deixei pasmos meus colegas e professores do “Tood School de Woodstock”, com 10 anos de idade, quando montei Andrócles e o Leão, de Bernard Shaw. Já era ator do Teatri Madison de Chicago com 11 anos de idade, Nesse tempo, eu me dava muito bem com uma cantora de ópera de voz sofrível, que não me via como um pirralho.
-E a ópera?
-Adoro a ópera; nunca me canso de assistir a ela. Quando bem encenada, é a mais elevada de todas as artes de espetáculo. Considero a ópera a experiência do absoluto teatral. A voz é um elemento comovente. Encenei algumas óperas em Nova York, mas nenhum dos velhos cavalos de batalha.
-Quais os seus compositores de óperas prediletos?
-Mozart,  Bellini, Donizetti, Verdi – tudo de Verdi. Não sou wagneriano, detesto Berlioz.
-O teatro de marionetes de que falamos foi um presente do dr. Bernstein; ele o estimulou também a pintar. O dr. Bernstein exerceu uma atividade misteriosa e marcante na sua infância.
-Talvez, ele tenha sido amante da minha mãe.
-E você se mostrou um bom pintor.
-Comecei a estudar desenho e pintura com o russo Boris Anisfield e, depois, no Instituto de Arte de Chicago. Essa atividade me ajudou nas montagens de peças teatrais em que tive de pintar os cenários e figurinos.
-O Dr. Bernstein vislumbrava nas suas aquarelas a beleza trágica de Van Gogh.
-Como você depreende, ele queria me estimular além da conta.  Larguei os pincéis e parti para Dublin. Com 16 anos de idade, apresentei-me no “Gate Theatre” como astro de primeira grandeza dos teatros de Nova York.
-E qual foi a reação dos irlandeses?
-Deram-me o papel do octogenário judeu Süss, da peça de Lion Feuchtwanger, e o papel do espectro de Hamlet. Atuei ainda, de Shakespere,  em Thimon de Atenas, Ricardo III, de Ibsen, em Peer Gynt, de Carlo Goldoni, em La Locandiera, de Ben Johnson, em Volpone, de Bernard Shaw, em Homem e Super-Homem. Desenhei os cenários e figurinos de As Três Irmãs, de Tchekov, e A Dama do Mar de Ibsen.
-Você partiu de Dublin para Londres?
-Sim, eu me sentia limitado na capital da Irlanda, precisava de uma metrópole.
-Bem, Orson Welles, você seguia com o teatro quando, em 1936, a CBS o empregou como locutor de um programa semanal.
-Foi em 1936?... Ano em que casei com a atriz Virginia Nicholson, com quem tive a primeira das minhas três filhas.
-E o trabalho no rádio? - precipitei-me.
-Espera, antes eu escrevi um roteiro de O Coração das Trevas de Joseph Conrad, que nunca foi filmado.  No Mercury Theatre, encenei Júlio Cesar, de Shakespeare, adaptando a peça para a atualidade, o fascismo que se estendia da Itália para a Alemanha.
-Um triunfo! Vi um filme realizado a alguns anos, Orson Welles e eu, que retrata os bastidores dessa encenação e o sucesso obtido.- manifestei-me.
-Mas, por falta de público e de dinheiro, era o rescaldo da crise econômica, as portas do “Mercury Theatre” iam ser fechadas, quando eu com o meu elenco fomos contratados pela CBS para representar, diante dos microfones, a dramatização de romances clássicos.
-Era a febre do rádio que se difundia por todo os Estados Unidos.
-Dramatizamos romances de Stendhal, Tolstoi, Dumas, Flaubert, H.G Wells...
-Você adaptou “A Guerra dos Mundos” de H.G. Wells em um noticiário sobre a invasão da terra pelos marcianos, entremeado com músicas corriqueiras. As notícias chegam num crescendo de emoções até que o repórter solta um grito de vítima dos alienígenas. O pânico tomou conta dos Estados Unidos, muitos viram marcianos por toda a parte; houve suicídios, partos prematuros, fugas para a montanha...
-A polícia invadiu o estúdio da rádio e me levou preso. Diante de toda a imprensa, eu expressei o meu espanto de as pessoas não saberem que se tratava de um clássico da literatura.
-Você representou esse espanto, Welles, eu vi num documentário.  Mas assim, alcançou a celebridade em todo o país.
-E o melhor: assinei um contrato com Hollywood que ia além dos meus sonhos.
-Era o caminho para a filmagem do Cidadão Kane.

 


terça-feira, 27 de novembro de 2012

2265 - intimidade é fogo

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4065                                Data: 17  de novembro de 2012
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OS TAXISTAS DE MARIA DA GRAÇA

Quando entrei no táxi que ponteava a fila, percebi que o motorista não me era familiar, por isso me surpreendi quando ele me tratou com uma efusão, que não adjetivo de política, porque me pareceu sincera.
-Como vai?... Está tudo bem?... Eu o vejo muitas vezes.
Mas eu não o vejo. Será que ele é um dos taxistas que enfiam no carro e não saem para conversar, como os demais, na hora que desço a Rua Van Gogh em direção à estação do metrô de Del Castilho?
Respondi a sua saudação e anunciei que íamos para a Rua Modigliani.
-Vamos para lá. - bradou com a sua voz sonora.
Não percorreu 50 metros e comentou:
-Olha, olha o lixo que essa gente acumula na calçada.
Voltou-se para mim e me surpreendeu de novo:
-Qual é o seu nome?
Era o primeiro dos muitos taxistas da cooperativa que perguntava o meu nome. Os outros me tratam de você, senhor, amigo, meu nobre, ele, agora, era o único da cooperativa a saber que eu me chamava Carlos.
-Carlos, essa gente não tem a mínima noção de limpeza. As calçadas se tornam um depósito de lixo.
-Há duas semanas, a reportagem da TV Record apareceu na escola perto da minha casa, porque denunciaram a diretora que obrigava os alunos a limparem as salas de aula antes da saída.
-Sujou, tem de limpar. Não existe essa conversa que o gari existe para isso. - indignou-se mais uma vez.
-Na televisão, o Vagner Montes criticou a diretora com o argumento esdrúxulo que as serventes é que devem limpar. Ora, as serventes e os garis devem recolher o lixo e não apanhar o que a má educação do povo espalha em lugares públicos. - manifestei-me.
-Carlos, o Vagner Montes perdeu a perna por estupidez e continua estúpido. Ele nunca recebeu meu voto.
Entusiasmado, prosseguiu:
-Eu e meus irmãos fomos criados pelo meu pai e ele ensinava: comeu, tem de lavar o prato; acordou, tem de fazer a cama; sujou, tem de limpar. Como eu era o caçula, via meus irmãos sentirem a mão pesada do papai e tratei de ser obediente.
-Pena que, hoje, existam poucos pais disciplinadores. - lamentei.
-Agora, ou eles tratam os filhos com indiferença, ou paparicam demasiadamente. - acrescentou.
-Chegamos. - anunciei.
No dia seguinte, cheguei uma hora antes do costume no ponto da Magalhães Couto e fui obrigado a sentar no banco de espera. Enquanto aguardava, reportei-me ao primeiro taxista conhecido que me conduziu: Seu Floriano.
Menino ainda, era, algumas vezes, indicado pela minha mãe para fazer companhia à minha avó, que residia sozinha num casarão da Rua General Padilha, em São Cristóvão. Quando isso acontecia, minha mãe vinha me buscar de manhã cedo e então, minha avó dizia que aquela era a hora do Seu Floriano, que morava na mesma rua, sair com o táxi. Avisado por minha avó, ele vinha e conduzia, de maneira cautelosa, a mim e a minha mãe no seu carro até a Rua Cachambi, onde morávamos.
A chegada do Careca arrancou-me das minhas reminiscências. Ele não pode ver ninguém à sua frente, rumo ao ponto de táxi da Magalhães Couto, que, de maneira grosseira, acelera os passos, como se fosse o Papa-Léguas para chegar primeiro,  Depois – disseram-me os taxistas – senta-se no banco e fica mudo como uma estátua.
Agora, depois de quinze minutos, aparecia um táxi e o Careca teria de chupar o dedo.
Mas que taxista era aquele?
-Bom dia.
Algum tempo depois, respondeu-me. Então, eu lhe disse que ia para a Rua Modigliani, que ele ignorava.
-Conhece a Praça Manet?
-Não.
-Vamos em frente que eu lhe ensino,
-Dobro à esquerda?
-Não, porque há muitos sinais, continue subindo a Rua Domingo de Magalhães.
Seguiu a minha orientação a me perguntou:
-Continuo?
-Se você continuar, vamos nos deparar com um cruzamento perigoso, pois teremos de ficar na pista da esquerda para conseguirmos enxergar alguma coisa. É melhor, então, dobrar na próxima rua.
-Ele dobrou e foi, em seguida para a direita conforme o fluxo do tráfego.
Enquanto esperava o sinal abrir, eu lhe mostrava uma rua íngreme asfaltada.
-Você vai seguir em frente, subir aquela rua. Estaremos, então, na Rua Luís de Brito. Desceremos, em seguida, pelos paralelepípedos da Van Gogh, perto de onde moro.
Nesse instante, veio-me à mente a torre que ali existia da rádio Vera Cruz, extinta há décadas. Ele, no entanto, era o interlocutor menos indicado para eu trazer essa lembrança à baila.
Depois, tive de alertá-lo para não entrar na Rua Honório, pois iria deparar-se com quebra-molas. Indiquei-lha a Sisley, ele a desceu e passou, finalmente, para a Modigliani.
-Ali, no segundo poste.
Quando notei que ele passaria direto, rumo à Vlamink, agitei-me:
-Não! Para!
-Pensei que era para seguir além dos dois postes. - justificou-se.
Paguei a corrida, saltei do carro com a certeza que aquele taxista tinha as reações retardadas.
No dia subsequente, vi, lá de cima da rampa da estação de Maria da Graça, apenas um táxi e, para exacerbar a minha expectativa, alguns metros à frente do ponto da cooperativa.
A cada rampa que eu descia, olhava e lá estava ele.
-Só falta agora o Careca passar por mim, ventando, como o Papa-Léguas. - murmurei.
Mas ele não apareceu e pude, então, entrar no táxi do Machado.
-Não há ninguém da cooperativa, então, vamos. - disse ele.
-Há quanto tempo, Machado.
-Eu tenho visto muito o seu amigo, lá no Méier.
-O Luca? Ele também joga no bicho.
-Frequentamos o mesmo bicheiro.
-É uma distração para ele. - disse.
-O jogo do bicho é um esporte. - enfatizou o Machado.
-Dia desses, o Luca ganhou com a centena 110. - informei-lhe omitindo o fato de ele ter apostado nos anos do poeta Carlos Drummond de Andrade.
-A gente perde, mas um dia ganha. A mulher fala e eu lhe digo que ruim é gastar dinheiro com remédio. Você gasta 100 reais com comprimidos que não lhe fazem bem e tem de trocar por outros, também caros. No bicho, você não gasta isso tudo e ainda pode ganhar.
E arrematou:
-O jogo do bicho é um esporte.
-O Luca, acredito, passou a jogar no bicho depois que trabalhou com oficiais de justiça, que foram amigos dele.
Parece que o Machado não me ouviu, pois continuou a se defender.
-O dinheiro que eu gasto jogando não influi nas despesas de casa, então, não vou parar de fazer a minha fezinha.
E repetindo que o jogo do bicho é um esporte, deixou-me na Rua Modigliani.


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

2264 - o sábado que não foi

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4064                                Data: 15  de novembro de 2012
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SABADOIDO SEM  BARACK OBAMA
PARTE II

Cheguei à sessão do Sabadoido com o intuito de falar da vitória do Barack Obama, mas a audiência estava atenta à fala do Luca. Ele se reportava aos primeiros moradores da Rua Chaves Pinheiro.
Eu ainda pensei em citar o meu pai, que nasceu em 1916, no Cachambi, mas não foi na Rua Chaves Pinheiro e sim, na Rua Honório. Aliás, eu nunca entendi o porquê de ele nascer na mesma rua em que Luís Carlos Prestes seria preso 23 anos depois, considerando que ele viveu a infância e a juventude em dois bairros: Ilha do Governador e São Cristóvão.
Luca citou mais uns quatro nomes de pioneiros até que interferi:
-O Seu Moura não foi um dos primeiros moradores?
-Não, Carlinhos, esses que eu nomeei vieram para a Chaves Pinheiro no tempo em que a casa do Seu Moura era o Tiro de Guerra.
-Meu pai serviu no Tiro de Guerra. - aproveitei o gancho.
Luca ainda escarafunchou a história da rua, sem apartes da Gina e do Vagner, a não ser para se referirem aos moradores citados que eles conheceram.
   Adiante, Luca falou das feições claras do meu sobrinho. Nesse momento, esqueci-me por completo do Barack Obama.
-Os filhos da Jura (irmã da Gina) são bem brancos, a menorzinha é loura.
-Luca, o Daniel nasceu louro, depois o cabelo dele ficou acastanhado.
-Até uma determinada idade, a cor dos cabelos e dos olhos podem mudar. - acrescentei essas palavras às do meu irmão.
-O meu pai era louro, o de vocês...
-Mais branco do que o Seu Amaury, Luca? - interrompeu-o a Gina.
-Pois é, não tem uma fotografia dele mais novo?
-Temos uma em que o papai servia o Tiro de Guerra com o uniforme de soldado. - informei-lhe.
-Eu vi o documentário “Gonzaga, de Pai pra Filho”, e está lá que o Gonzaguinha foi registrado como branco. - assinalou meu irmão.
-As fotografias do Machado de Assis jovem o mostram mulato, quase pardo, porém, quando mais velho, ele parece branco. - intervim.
-Temos aí um caso reverso ao do Gonzaguinha: nasceu preto e morreu branco.
-O filme é bom? - quis saber o Vagner e os demais presentes (a Gina já dera a sua costumeira escapada da sessão).
-O filme é bom, mas eu ainda prefiro o documentário feito sobre o Raul Seixas. - opinou o Claudio.
-Pode ser, mas no filme dos Gonzaga, você vai ouvir melhor música. - afirmei.
-Carlinhos, num filme é baião, e, no outro, rock. - retorquiu,
-Não é só baião, há os sambas urbanos do Gonzaguinha, geralmente ótimos.  - contra-ataquei com serenidade, pois não pretendia debater isso.
Como o cinema foi trazido à baila, Luca se reportou à Rosa, que citara filmes de detetive da década de 40, que até anteciparam a série de fitas do 007.
-Luca, as primeiras histórias do James Bond surgiram dos livros do Ian Fleming, que foram filmados.
-Mas esses filmes citados pela Rosa têm até o Spencer Tracy como ator... Vocês têm uma memória boa para cinema.
Como ele não conseguiu se lembrar dos nomes desses filmes, conformou-se em falar do último filme a que assistira na televisão: “Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder.
-Grande filme! - enfatizou o Claudio.
-O Billy Wilder conta a história depois de morto na piscina.
-Não interrompi o Luca para dizer que Charles Chaplin, anos antes, fizera, em Monsieur Verdoux, a história ser narrada por um defunto, porque o Claudio se antecipara:
-O artista que faz o papel do mordomo que alimenta os sonhos doidos da atriz decadente foi um grande diretor do cinema.
-Erich von Stroheim. - identifiquei-o.
Luca sacou da maçaroca de papéis que trouxera um recorte de jornal em que aparecia a Rita Lee, de costas para o público, curvada, com as calças arriadas até os joelhos. Vagner e Claudio olharam, um comentário depreciativo logo se segui, enquanto eu lamentava a decadência da artista talentosa.
-A Rosa escreveu, abaixo da foto: “E daí?...” - apontou o Luca.
E o julgamento do mensalão entrou intempestivamente em cena.
-O vampiro brasileiro, o Lewandowski, é uma lástima defendendo os interesses dos petistas. - bradou meu irmão.
-Até para dar a pena, ele prolonga o voto com baboseiras. E a pena dele é sempre a mínima. - prosseguiu com a mesma veemência.
-Houve um momento em que ele, depois de citar uma pena, exasperá-la em tantos meses para atenuá-la, em seguida, em outros tantos meses e chegar, depois de mais verborragia, à pena final, foi aparteado pelo Joaquim Barbosa.
Tomei fôlego e prossegui:
-O relator do mensalão, então, disse: “Vossa excelência foi abaixo da pena mínima e isso não pode.”
-E foi mesmo?- ficaram curiosos.
-Lewandowski, todo atrapalhado, revirou a papelada que lera até constatar que não colocara a pena aquém da mínima. Eu suspeito que o Joaquim Barbosa fez aquilo de propósito, para acentuar como o ministro revisor é leniente com os réus, ricos, porque os pobres ele ferra como o caso do sujeito que pescou doze camarões.
-Essas denúncias do Marcos Valério... Ele está no desespero. - disse o Luca.
-Não resta a menor sombra de dúvida que Marcos Valério é o maior arquivo vivo do país. Acredito que ele tenha deixado quatro fitas gravadas para serem divulgadas em caso de ele ser morto.
-E é evidente que a “VEJA” tem essa entrevista do Marcos Valério gravada. - seguiram-se às minhas as palavras do meu irmão.
-A Carolina estava corrigindo provas, quando me disse que mete a caneta mesmo. A minha filha não admite aprovar gente que vai exercer a medicina sem conhecimento da matéria dela.
-É a nossa Joaquina Barbosa. - interveio o Claudio com alegria.
-Ela corrigia as provas e ouvia músicas. Quando tocou a marchinha “A, E, I, O, U, na cartilha das Juju”, eu disse que era de Lamartine Babo.
-”Bem, aqui está escrito que é de Noel Rosa.” - disse-me ela.
-Eu creio, também, que seja de Lamartine Babo. - manifestei-me.
Meu irmão disse que a letra não estava à altura da excelência dos versos de Noel Rosa e manteve seu parecer mesmo quando lhe dissemos que se tratava de música de carnaval.
Gina reapareceu, e foi-lhe dada a incumbência de encontrar no Google o nome do autor: Lamartine Babo ou Noel Rosa.
A conversa descambou, então, para as inaugurações. A primeira a ser citada foi a ponte Rio-Niterói.
-O primeiro pedágio foi pago por um motociclista, que passou por todos os carros. - assegurou meu irmão.
-Noel Rosa é o autor. - informou a Gina.
Citei a inauguração do Colégio Jean Mermoz, na Rua São Gabriel, em 1965, quando o Carlos Lacerda estava em campanha para eleger como governador o Professor Flexa Ribeiro.
-Eu apareci no noticiário da televisão sem camisa, com uma vara de pescar...
-Eu me lembro, Claudio, você ia pescar rã. - manifestei-me.
-Há o filho do Flexa Ribeiro... disse o Luca.
-Mas o candidato do Lacerda era, na verdade, o Rafael de Almeida Magalhães, por imposição da Igreja, porque ele era desquitado, ele teve de lançar  mão do seu Secretário de Educação. 
Com o adiantado da hora, mais uma sessão do Sabadoido se encerrou. Como faz costumeiramente, Luca deu carona a todos que saíram.
Quando saltei do carro e me aproximei de casa, veio-me à mente que eu não falara da eleição do Barack Obama      




sexta-feira, 23 de novembro de 2012

2263 - e o Obama não entrou

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O BISCOITO MOLHADO
                          Edição 4063                                Data: 14  de novembro de 2012
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SABADOIDO SEM  BARACK OBAMA
PARTE I     

O assunto era a política e eu pretenda falar da eleição do Barack Obama, mas o meu irmão tinha a palavra.
-Com o desenrolar da CPI do mensalão, amadureceu o impeachment do Lula, como o do Collor, lembra-se disso?
-Claro que sim, ficou maduro e a oposição não colheu o fruto porque imaginou que o Lula sangraria até o final do mandato.
-Lula não sangrou por muito tempo, o povo brasileiro esqueceu, como sempre e teve agora a sua memória refrescada pelo julgamento do mensalão. - comentou.
-Claudio, eu ouvi as considerações do Fernando Henrique Cardoso, um ano antes desse julgamento do STF...
-E o que ele disse? – quis saber o meu irmão, que já não expressa a má vontade de antes, quando eu citava o ex-presidente.
 -Ele afirmou que um impeachment do Lula, naquela época, pararia o país acarretando sérios prejuízos. Considerou certa a atitude da oposição de não chegar ao extremo.
-E se o Lula saísse, entraria o vice José Alencar.
-Aí é que estava o grande perigo, Claudio. O vice do Lula criticava, quase que obsessivamente, a política de juros altos. Se ele se tornasse presidente, interviria no Banco Central, reduziria os juros, a inflação voltaria e o Plano Real escoaria pelo ralo.
-Eu sei, Carlinhos, que, no mandato do Lula, ele não mexia em nada, praticamente, do que o FHC deixou. Lembro-me que lançaram aquele filme “O homem que copiava” e o pessoal dizia que esse homem era o Lula.
-Ele escreveu a carta aos brasileiros, comprometeu-se a manter os três pilares legados pelo Fernando Henrique Cardoso: o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a flutuação do câmbio; o FHC, em contato com o presidente Clinton, deu o seu aval.
-O vice José de Alencar não se comprometeu a nada.
-Por isso, embora o FHC não tenha dito claramente, o Brasil corria um sério risco de ver sua economia degringolar com o impeachment do Lula.
-A Dilma, Carlinhos, está baixando os juros e a inflação não está descontrolada.
-A conjuntura é outra, mas ela despiu um santo para vestir outro; os juros baixaram, mas para a inflação não subir mais, ela segurou o preço dos combustíveis, o que fez a Petrobras andar para trás.
Eu queria falar mesmo era de política internacional, da eleição do Barack Obama, mas a Gina entrou na cozinha, onde eu e meu irmão estávamos, falando do aniversário da minha sobrinha.
-Você vai ao churrasco, Carlinhos?
-Vou, Gina, mas avisei para reservarem uma garrafa de mineral para mim, porque não posso, por enquanto, beber álcool. Quanto ao refrigerante, larguei há algum tempo, como já tinha feito com o cigarro aos 18 anos de idade.
-É no dia 14.
-Pois é, Gina, no mesmo dia do aniversário do Dieckmann. Caso ele me convide para o almoço, como costuma acontecer, não poderei ir, pois vou embora do trabalho mais cedo.
-Vai aos dois. - incentivou-me o Claudio.
-Esses almoços costumam ocorrer no “Japonês”, perto do Paço Imperial. A comida é muito boa, a melhor que conheço com comidas do Japão, mas não dá mesmo para ir. - justifiquei-me.
-Qual o nome desse restaurante?- perguntou apenas por cacoete  interrogativo a minha cunhada, pois dificilmente aparece no Centro da cidade.
-Não sei.
Depois da minha resposta, veio-me surpreendentemente o nome à cabeça.
-Hachiko.
-Sabe ou não sabe o nome?
-Engraçado, Gina, o Elio me enviou um e-mail, com a intenção de sabatinador, em que pedia para eu indagar do Lopo sobre o nome do professor de violino do Bolinha. Disse comigo mesmo que eu não sabia, mas em menos de um minuto me veio o nome, Léo. Eu estava tão convicto que nem confirmei no Google.
-E o Lopo acertou?- demonstrou curiosidade.
-Gina, ele lembrou  de como era chamado o avô do Carequinha, a professora, o caça-gazeteiros, o detetive personificado pelo Bolinha, os pais   da Luluzinha, etc, mas não lhe vinha por nada à memória o nome do professor de violino. Fui, dessa vez, ao Google e lhe disse que era Léo Rabeca.
Agora, era o meu sobrinho que irrompia pela cozinha.
-Daniel, o Fluminense já está com a taça na mão.
-Em 2005, o Fluminense perdeu os últimos cinco jogos e o Abel era o técnico. - arrefeceu o entusiasmo que lancei no ar.
-Vamos calçar a sandálias da humildade, como preconizava o Nélson Rodrigues, mas sem exageros. - retorqui.
-O Fluminense não perdeu para o último colocado? - avolumou a Gina o pessimismo tricolor.
-Como escreveu o Tostão, na Folha de São Paulo: o Fluminense sabe o caminho.
-Eu que não coloco a faixa de “Campeão brasileiro de 2012”, porque dá azar. - precaveu-se.
-Na política americana, existe a superstição que todo o candidato que coloca cocar de cacique na cabeça perde a eleição.
-Falei isso e pensei no Barack Obama reeleito, mas o assunto era futebol.
-Daniel citou algumas perdas surpreendentes de equipes favoritas, do passado, até que o Claudio reapareceu com O Globo na mão.
-Enfim, o entregador veio com o meu jornal. - desabafou.
-Sei que você gosta de ler aqui... - disse, enquanto me levantava.
-Já pode ir para o computador, Carlão. - deu o Daniel o sinal verde.
Vi o quarto do Daniel, bem arrumado e o comparei com o meu, uma barafunda que derrota quaisquer faxineiras; me lembrei da frase do Paul Claudel citada pela Rosa Grieco: “A ordem é o prazer da razão, e a desordem é a delícia da imaginação.”
Diante do computador do meu sobrinho, busquei o noticiário sobre a reeleição do Barack Obama, obteria, assim, mais informações para embasar os meus argumentos quando a sessão do Sabadoido começasse.
Depois, busquei os vídeos que não consigo acessar em casa por causa da banda larga ser, na verdade, estreita, e no trabalho, sempre bloqueada e também devido ao serviço que surge e não deve se acumular. Procurei, então, o filme do Dieckmann em que havia senha de acesso a qual ele me revelou, Não o encontrei no meio do cipoal de mensagens eletrônicas. Deparei-me, no entanto, com um vídeo de um coral russo que o remetente prometia ser imperdível. Lá se foram uns dez minutos vendo e ouvindo músicas folclóricas russas, como Kalinka e outras que, de tão populares, receberam dos brasileiros paródias mais insólitas possíveis, como a do Dori Caymmi, num programa de televisão, que até incluiu o nome da tenista tcheca Martina Navratilova.
Lembrei-me, em seguida, do e-email que o Luca me reenviou com a poesia do Drummond da pedra no meio do caminho recitada em vários idiomas e dialetos, inclusive tupi-guarani. Procurei, procurei, até que vozes robustas me chegaram aos ouvidos. Iniciara-se mais uma sessão do Sabadoido.